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Cartografia da violência no Facebook e a
experiência do medo
The cartography of violence on Facebook and the experience of fear
Bianca Fernandes Antunes
Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: bianca_antunes@hotmail.com
Leticia Cantarela Matheus
Professora adjunta da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, Brasil. E-mail: leticia_ma theus@yahoo.com.br
Resumo:
O artigo investiga como as informações publicadas na “Onde Tem Tiroteio- RJ” permitem fazer uma cartografia da violência no Rio de Janeiro, a partir de uma interface entre ciberespaço, espaço urbano e mobilidade. Nesse sentido, por meio da tecnologia, a fanpage hospedada no Facebook ajuda o carioca a compartilhar experiências e a ressignificar o tecido urbano e sua relação com a cidade. A ênfase se dá no medo como fator de restrição para a mobilidade, em especial a partir da bala perdida. Foi analisado um mês inteiro de postagens e alguns de seus comentários, tentando compreender as funções que esse tipo de comunicação vem a atender. Discutimos ainda como os rastros digitais deixados pelos seguidores mostram novas práticas de avaliação de risco criadas pelo cidadão para lidar com a experiência do medo e organizar seus modos de habitar os ambientes digital e urbano .
Palavras- chave:
Interação; Facebook; Mobilidade; Medo; Rio de Janeiro.
Abstract:
The article investigates how the information published in "Onde Tem Tiroteio- RJ" mold a cartography of violence in Rio de Janeiro, from an interface between cyberspace, urban space and mobility. In this sense, through technology, a fanpage hosted on Facebook helps the Rio de Janeiro citizen to share experiences and resignify the urban space and its relationship with the city. Emphasis is placed on fear as a mobility restriction factor for mobility, especially from the stray bullet. A whole month of posts and some of its comments were analyzed, trying to understand the functions that this type of communication comes to attend to. We also discussed how the digital traces from the Facebook followers show new practices of risk rating created by the citizen to deal with the experience of fear and organize their ways of inhabiting the digital and urban environments.
Keywords :
Social interaction; Facebook; Mobility; Fear; Rio de Janeiro.
INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.
Bianca Fernandes Antunes; Leticia Cantarela Matheus. Cartografia da violência no Facebook e a experiência do medo. p. 242 - 26 1.

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1 Introdução
O artigo discute a experiência do medo no processo de configuração de um mapa imaginário da violência no estado do Rio de Janeiro e de algumas de suas consequências práticas, como a redução da mobilidade urbana em função de certa avaliação de risco. O trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento sobre mídia e emoções, enfatizando a questão tecnológica como mediadora privilegiada desse processo, o que o difere de outras investigações nesta área, que acentuavam problemas de linguagem (MATHEUS, 2011; FREIRE, 2015).
Marcado, portanto, pelo eixo tecnológico, o artigo recorta o problema de duas formas. De um lado, entendemos um tipo de medo reivindicado como fator de imobilidade na cidade, diferente de uma série de outros medos possíveis. Ele trata fundamentalmente do medo de tiroteios. De outro, há o recorte sobre um tipo de representação desse medo, não a partir de jornais ou de outros modelos institucionalizados de comunicação, mas em relatos espontâneos em uma fanpage no Facebook .
Nossa primeira hipótese é que essas narrativas configuram certa representação de cidade, alternativa ao mapa construído pela grande imprensa, embora o núcleo central da retórica do medo pareça permanecer o mesmo. Chama a atenção o destaque que outras cidades e bairros do Rio recebem nessa cartografia da violência escrita coletivamente pelo usuário do Facebook. A segunda hipótese é que o medo da violência, em especial da bala perdida, tem sido de enorme prejuízo para a mobilidade do cidadão e, portanto, para sua experimentação do espaço urbano, configurando o medo, deste modo, mediador privilegiado do cotidiano.
Para desenvolver a discussão, usamos como objeto empírico a fanpage no Facebook “Onde Tem Tiroteio” (OTT-RJ), que permite ao usuário imaginar uma cartografia da violência no Rio de Janeiro, transformando e ressignificando a experiência da cidade a partir do medo. Com 651.797 membros em 1° de dezembro de 2018, 617.925 curtidas e 90 colaboradores assíduos, OTT-RJ se apresenta com a missão de salvar os cariocas das balas perdidas, dos arrastões e das blitze falsas. Declara ser seu objetivo principal ajudar o cidadão a andar pela cidade com segurança, tirando-o das rotas de conflitos armados. “Onde Tem Tiroteio” também possui versões no Instagram, no Telegram, no Twitter e no WhatsApp .
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Na fanpage no Facebook são publicadas informações, fotos e vídeos sobre ocorrências de crimes, tanto na capital quando no resto do estado, enviadas por seus seguidores, numa dinâmica colaborativa. O objetivo é que, com informações imediatas sobre as áreas de risco na cidade, o cidadão possa evitar aquelas regiões em conflito. Trata-se de uma página onde milhares de usuários mantêm uma participação ativa, inserindo informações sobre a violência urbana e atuando como produtor de informação, uma das principais características da Comunicação Mediada pelo Computador (PRIMO, 2003) e da Web 2.0 (O’REILLY, 2005). Centenas de páginas com características semelhantes encontraram no ciberespaço local apropriado para exibir conteúdo da violência cotidiana, como assaltos, furtos, arrastões, assassinatos, entre outros.
Para este trabalho, foi construída uma amostragem com os 209 posts realizados em 30 dias corridos, de 26 de maio a 26 de junho de 2018. Também foram observados os comentários das postagens, coletando os principais, segundo a classificação ofertada pelo próprio Facebook. Analisamos os seguintes dados: a localização das ocorrências relatadas; o tipo de crime mencionado; comentários que explicitavam a experiência do medo e os testemunhos de cidadãos que disseram evitar certas regiões, reduzindo sua mobilidade cotidiana. Esperamos, dessa forma, vislumbrar se as informações sobre os crimes, publicadas nessa fanpage, mobilizam ou não a experiência do medo para o cidadão e como se dá o cálculo de risco em função dessa emoção.
2 Contexto pós- UPP
A atividade da OTT-RJ e a amostragem para esta análise se dão em um período de declínio do principal projeto de Segurança Pública do governo estadual, que prometia reduzir a violência, entendida como o conjunto de efeitos mais visíveis do tráfico varejista de drogas: o programa de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Segundo o governo, tratava-se de uma espécie de polícia comunitária, cujas unidades foram instaladas, a partir de 2008, dentro das favelas onde havia piores conflitos armados. O programa foi narrado pelos quatro principais jornais cariocas dentro de um arco dramático que foi do medo à euforia, tendo seu ápice catártico em 2010,
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com a libertação dos moradores do conjunto de favelas do Alemão (SILVA, 2015). Na ocasião, os jornais cariocas chegaram a celebrar a retomada de territórios anteriormente dominados pelas quadrilhas (SILVA, MATHEUS, 2013).
De fato, durante o funcionamento das UPPs, houve queda significativa nos registros de criminalidade, em especial homicídio, em todo o estado. Tratando- se especificamente do Rio de Janeiro, o segundo município mais populoso do país, com 6.520.266 habitantes, segundo o IBGE (2017) o Rio alcançou a menor taxa de homicídio durante o programa. Um dos motivos atribuídos para essa queda foi exatamente a implantação das UPPs no momento em que o Brasil e a cidade do Rio foram anunciados como sede de uma sequência de megaeventos: os Jogos Panamericanos (2007), a Jornada Mundial da Juventude (2013), a Copa do Mundo de futebol (2014) e as Olimpíadas (2016). Por exemplo, durante a Copa, o estado do Rio recebeu o maior efetivo de novos profissionais da Segurança Pública, segundo relatório do governo (BRASIL, 2014), e o esquema utilizado seria uma espécie de teste para que a cidade do Rio realizasse, dois anos depois, as Olimpíadas.
No entanto, passada a euforia inicial, com o término dos megaeventos e uma crise financeira no estado do Rio, inclusive por causa das dívidas com as reformas para os grandes eventos esportivos, começaram a surgir críticas ao programa. As desaprovações às UPPs começaram a se intensificar após o escândalo da morte do pedreiro Amarildo de Souza,1 em 2013, na Favela da Rocinha. Dizia-se que o projeto apenas maquiava o poder das quadrilhas de drogas. Além disso, a crise financeira prejudicou o pagamento dos policiais, e, gradativamente, os índices de criminalidade voltaram a subir, alcançando os mesmos registrados dez anos antes. Se o público experimentou um breve otimismo em relação ao combate à violência, a sensação foi logo neutralizada. Parte do projeto da UPP começou a ser encerrada em 2018.
Nesse contexto, o medo pode se apresentar a partir de múltiplas funções. Sua face mais evidente é, sem dúvida, a aplicação política. Glassner (2009) defende que o presidente americano George W. Bush foi reeleito em 2004 por causa do medo de atentados terroristas. Segundo o autor, o mecanismo era tão simples que, toda vez
1 Em julho de 2013, o pedreiro Amarildo Dias de Souza, morador da Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, desapareceu depois de ser levado por policiais militares à sede da UPP para prestar depoimento. Após três meses de investigações, o Ministério Público denunciou 25 policiais militares pela morte de Amarildo.
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que o alerta de risco de atentado passava de laranja para vermelho, o candidato subia nas pesquisas de intenção de voto. Este é um exemplo emblemático que evidencia o mecanismo conservador implicado nos estímulos narrativos ao medo: sempre que houver uma ameaça, sobretudo se ela for difusa (MATHEUS, 2011), propicia-se a emergência de atitudes e tomadas de decisões políticas conservadoras. Soyinka (2004) lembra a essencial função do medo na manutenção de regimes autoritários. O medo é, portanto, fator retórico clássico nos jogos estratégico de poder e este elemento não pode ser ignorado no contexto cultural do Rio de Janeiro, onde queremos inscrever este debate mais geral.
Outra perspectiva teórica sobre o medo, que ajuda a recortar nosso problema no Rio de Janeiro, é seu uso como ferramenta de contenção social, como no caso da escravidão no Brasil (AZEVEDO, 1987), no qual os escravizados eram mantidos sob um regime de terror para não se rebelarem. O outro lado da operação retórica também é verdadeiro: promover o medo nas elites. O lugar de vítima viabiliza um capital político a quem se coloca discursivamente nesse lugar, no caso do Rio, a classe média (VAZ et al., 2012). A cobertura jornalística das UPPs representou uma excepcionalidade nesse sentido, pois colocou, daquela vez, os moradores das favelas como reféns do tráfico (SILVA, MATHEUS, 2013).
No caso do Rio, o fluxo narrativo do medo, como forma de acionar demandas repressivas, não é novidade. Borges (2006) mostra como o discurso da imprensa sobre a perda do controle sobre a segurança pública viabilizou as intervenções militares de 1994 e 1995, as chamadas Operações Rio 1 e Rio 2. Para Chevigny (2003), a defesa dos direitos básicos do cidadão é rapidamente enterrada no Brasil pelo populismo do medo. Segundo o autor, essa emoção tem servido como parte do aparato repressivo segundo uma lógica que desloca os problemas sociais para o conceito de violência. Ainda de acordo com Chevigny, esse mecanismo é facilitado pelo fato de o brasileiro frequentemente entender o combate ao crime como sinônimo de repressão.
Dentro dessa grande narrativa da violência, a bala perdida desempenha papel central, pois permite à imprensa acionar um medo difuso, segundo o qual qualquer um pode se tornar vítima em potencial, a qualquer momento, aleatoriamente. Esse mecanismo perverso é capaz de acionar medos subjetivos que podem não ter a ver
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com a experiência da violência urbana em si (MATHEUS, 2011). Ainda segundo a autora, esse medo difuso é reivindicado pelas elites cariocas para demandar, do aparato estatal, medidas repressivas.
Não estamos negando nenhuma dessas realidades e as ameaças concretas, pelo contrário. Porém, a contribuição deste artigo é enfatizar outra consequência da difusão discursiva do medo, que é a imobilidade na cidade, em função do temor legítimo e real de tiroteios. De todas as representações de violência, a imagem da bala perdida talvez seja a mais dramática, pois ela é ancorada e depende, em grande medida, de ameaças difusas. De certa forma, a OTT tenta aplacar essa ansiedade, oferecendo a seus seguidores um serviço de “previsibilidade”, certa sensação mínima de estabilidade. Pode-se dizer, talvez, que ela seja sintoma e, ao mesmo tempo, parte do mecanismo que engendra o próprio medo.
3 A interface entre as condições tecnológicas do Facebook e a mobilidade física
Na última década, cresceu a participação dos brasileiros na internet e nas redes sociais digitais em função do avanço tecnológico (RECUERO, 2009), formando um dos maiores públicos do Facebook no mundo2. Maior rede social do mundo, a plataforma aglomera mais de cem milhões de brasileiros todos os meses. As novas tecnologias de comunicação vêm contribuindo para outras formas de sociabilidade, baseadas na cultura da mídia, alterando as constituições das sociedades e promovendo a virtualização da comunicação. Se de um lado há um cenário de insegurança, de outro, temos uma população que buscou na internet uma forma para encontrar informações para fugir da violência, mostrando, dessa forma, que “sociedade e tecnologia não são duas entidades distintas, mas como fases da mesma ação” (LATOUR, 1991, p. 219) .
Estamos nos referindo a uma série de páginas e grupos de WhatsApp dedicadas à troca de informação sobre violência no estado do Rio. Neste caso, a fanpage OTT surgiu a partir de um perfil pessoal que já alertava sobre tiroteios na
2 Dados divulgados pelo Facebook no primeiro trimestre de 2018. Disponível em: <https://goo.gl/xTSTFD>. Acesso em: 20 jul. 2018.
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cidade e que foi ganhando seguidores. Depois virou fanpage. Em 2018, uma equipe de cerca de 90 colaboradores assíduos checava os alertas, como relata um usuário ao site Colabora: “Todo mundo quer se proteger e proteger sua família. Queremos evitar que as pessoas corram perigo [...] Não encontramos dificuldades para obter esses dados. Até ladrão ou traficante não quer sua família atingida por bala perdida”. 3
Ao fazer uma interface entre ciberespaço, espaço físico e mobilidade, com referência às novas práticas de espaço urbano, ressaltamos o papel das redes sociais digitais, que se mostram importantes na medida em que exibem a criminalidade, causando um efeito de destruição do medo com a quase simultaneidade do acontecimento, fazendo com que a realidade da violência passe a fazer parte do dia a dia, mesmo daqueles que nunca a confrontaram diretamente. As novas condições
tecnológicas são marcadas pela instantaneidade, interatividade e
georreferenciamento, como formas de dar visibilidade ao material postado na página e que representam indícios dos locais onde a violência está mais presente, de acordo com as notificações de seus usuários. Tais recursos apontam para a impossibilidade de falar em áreas conflagradas na cidade, já que a criminalidade e a percepção da violência estariam se deslocando e se espalhando por vários lugares e a qualquer mom ento.
É preciso, no entanto, problematizar os efeitos e o papel da mídia no crescimento da violência, já que ela expõe e permite compartilhar o que acontece nas redes sociais de forma quase imediata. Ao banalizar e tratar a criminalidade carioca como uma experiência cotidiana, os seguidores da página não estariam espalhando e potencializando ainda mais o medo que é visto diariamente na internet, criando uma insegurança promovida pelas tecnologias de comunicação, ao invés de proteger a sociedade? Ao abarcar as publicações de imagens de violência, o Facebook se tornaria um catalisador do medo, na medida em que reúne informações sobre criminalidade quase em tempo real e permite que os seguidores curtam e comentem o conteúdo postado sobre a violência, o que corrobora com o que defendem Bakir e McStay (2017), ao afirmarem que uma das características da mídia contemporânea é que ela é altamente emotiva.
3 Disponível em: <https://goo.gl/eYQAHx>. Acesso em: 20 jul. 2018.
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As notícias de crimes, publicadas no Facebook, ganham força a partir do momento em que os seguidores da OTT-RJ passam a conviver constantemente com cenas e discursos violentos, que são publicados de forma acelerada e constante, e acompanham a próxima tragédia. Dessa forma, a fanpage funcionaria como uma fonte de informações que iria garantir a proteção do cidadão carioca, mas também apresenta a cidade do Rio no Facebook como um foco da insegurança e um permanente desafio. Ademais, as informações publicadas servem como uma bússola para que esses indivíduos possam transitar pela cidade. De forma abrangente, é como se a página quisesse evitar o risco de bala perdida e criar um mapa do risco no Rio de Janeiro.
Apesar de a fanpage não utilizar o recurso de geolocalização, as informações sobre a localidade onde o crime está acontecendo naquele momento são inseridas na postagem e ficam visíveis para os seguidores. Na visão de Lemos (2009), o ciberespaço remete-se ao espaço físico por intermédio das informações que traz sobre a cidade. A ideia de mobilidade é fundamental para entender como os cidadãos enfrentam e reverberam a questão do medo e da segurança. Para o autor, a mobilidade é um aspecto fundamental no desenvolvimento do espaço urbano e, “no século XXI, é impossível não pensar no fluxo de pessoas e informação através das mais variadas tecnologias e objetos e do mundo virtual” (LEMOS, 2009, p. 28) .
No caso da OTT-RJ, podemos pensar se o ciberespaço ultrapassa o ambiente virtual para o mundo físico, por meio da tecnologia de geolocalização dos dispositivos, informações digitais se fundem com informações do mundo físico, criando uma nova experiência. Segundo Lemos (2009), os artefatos comunicacionais acentuam a mobilidade e aguçam a compreensão do nosso lugar no mundo e de nós mesmos. “Isso se dá por tornar as informações acessíveis, seja por uma maior mobilidade física (transporte), seja por uma maior mobilidade informacional (mídia). Hoje, com as novas tecnologias, este processo de espacialização ganha contornos mais largos” (LEMOS, 2009, p. 91) .
Ao contrário do que o autor defende, ao afirmar que os novos dispositivos informacionais vão ampliar os deslocamentos físicos, percebemos, como será demonstrado adiante, que a fanpage acaba reduzindo a circulação do sujeito pela cidade, dando um novo sentido de lugar, ancorado na experiência do medo. Dessa
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forma, os dispositivos móveis, por meio de aplicativos, alteram a relação dos internautas com seus deslocamentos pelo tecido urbano, a partir de informações que modulam o uso específico do espaço. Nesse contexto, a OTT-RJ estaria redimensionando as práticas sociais e a experiência do cidadão pela cidade e pelo estado do Rio.
4 Etnografia virtual da criminalidade e da experiência do medo
Apropriando-se do ciberespaço como fonte de pesquisa, foi realizada a etnografia na internet (FRAGOSO et al., 2011; KONIZETS, 2002) como aporte metodológico. Utilizando um método interpretativo, procuramos verificar se a fanpage OTT-RJ permite fazer uma cartografia do crime do Rio de Janeiro e como isso pode ressignificar a experiência do indivíduo na cidade, interferindo em sua mobilidade pelo espaço urbano, a partir da experiência do medo.
Para isso, foi feita uma análise que tem como marco o dia 26 de maio de 2018, um mês após o anúncio do fim das UPPs pelo Gabinete de Intervenção Federal. A observação se deu por um período de 30 dias e foi ancorada nos comentários dos usuários para vislumbrarmos se o medo propagado nas redes socias muda a experiência do carioca. O recorte dado à análise contempla 209 publicações (quadro 1) postadas na fanpage nesse espaço de tempo. Em função do caráter dinâmico do Facebook, que permite a alteração dos dados digitais pelos usuários a todo momento (com a inclusão e exclusão de informações), selecionamos os principais comentários entre os dias 8 e 20 de junho de 2018.
Os dados mais importantes dizem respeito à localização das áreas onde a criminalidade é mais recorrente e ao tipo de ocorrência. Tais elementos irão possibilitar uma discussão sobre a classe em que incide o crime e sobre uma cidade excludente e seletiva, inclusive, na forma como a violência se apresenta e no tipo de cidadão que sofre com ela, trazendo à tona uma cartografia do crime das áreas conflagradas do Rio de Janeiro. O critério de escolha das publicações não foi apenas pelo viés da audiência, mas também pela relevância qualitativa do discurso violento na própria postagem. Ademais, os dados quantitativos complementaram as descrições e análises das dinâmicas como, por exemplo, a forma escolhida pelos
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seguidores para postar informação (vídeo, foto ou texto). A partir dos rastros digitais (RECUERO, 2009), que são os dados interacionais, tão valiosos para o seu funcionamento e que possibilitam visualizar as informações deixadas nas publicações pelos respectivos usuários, poderemos ainda identificar como se estabelece a relação dos seguidores da fanpage com a cidade, a partir da mobilidade.
Quadro 1 – Municípios, bairros e quantitativo de ocorrências publicadas na OTT de 26 de maio e 26 de junho de 2018
Municípios N° Zona Sul N° Zona Oeste N° Zona Norte N° Zona Norte N°
Angra 12 Leme 8 Praça Seca 7 Bonsucesso 7 Triagem 2
B. Roxo 9 Rocinha 4 Realengo 4 V. Kenedy 7 Penha 2
Caxias 8 Pavãozinho 3 Itanhangá 3 Vila Isabel 6 Ilha 2
Niterói 4 Urca 2 Taquara 3 Eng. Novo 6 V. Penha 1
São Gonçalo 3 Laranjeiras 1 Jacarepaguá 3 Cordovil 5 Encantado 1
Cabo Frio 2 Ipanema 1 Santa Cruz 2 Méier 5 Eng. Dentro 1
Araruama 2 Botafogo 1 C. Grande 2 Cachambi 5 Benfica 1
São João 2 Glória 1 S. Camará 2 Guadalupe 4 Higienópolis 1
Nova Iguaçu 2 Copacabana 1 C. Barros 1 Madureira 4 V. Carvalho 1
Barra Mansa 1 Vidigal 1 Valqueire 1 Tijuca 4 Pilares 1
S.P. Aldeia 1 Tanque 1 Pavuna 4 Andaraí 1
V. Redonda 1 Centro C.de Deus 1 E. Rainha 3 Coelho Neto 1
Itaguaí 1 Catumbi 6 P. Miguel 1 Grajaú 3 Riachuelo 1
R. Comprido 4 Piedade 3 Abolição 1
S. Teresa 3 Jacarezinho 3 Quintino 1
Centro
1
R. Miranda 2 Manguinhos 2 Lins 2
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do OTT-RJ, Facebook, 2018.
Esses números permitem observar uma cartografia do espaço carioca (gráfico 1) que é construída pelos seguidores da página, ao identificarem, nas fotografias, os locais onde havia incidência de crimes durante o período analisado. Como citado anteriormente, apesar de a fanpage não utilizar o recurso de geolocalização, as informações sobre o local onde o crime ocorreu são inseridas na postagem.
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Para seus seguidores, o efeito é semelhante ao da geolocalização, uma vez que a identificação dos locais dos crimes permite a eles a construção de um mapa do risco. Do conjunto analisado, foram marcados 13 municípios do estado do Rio e 60 bairros da cidade do Rio, sendo a maioria da Zona Norte (conforme o mapa), o que ratifica o caráter excludente da cidade. Mesmo nas ocorrências registradas na Zona Sul, elas aconteceram em favelas localizadas nessa região como Vidigal, Rocinha e Pavão-Pavãozinho. Chama a atenção o fato de o maior número de relatos naquele momento ter sido sobre o município de Angra dos Reis. Não sabemos bem a razão para isso, se ocorreu algum processo comunicacional especial entre os moradores daquele município e a OTT, como sua descoberta como um canal possível, por grande demanda reprimida, ou se, de fato, a percepção sobre o crescimento da criminalidade em Angra se aguçou ou vários fatores simultâneos. Uma das hipóteses que vem sendo levantada pela polícia é que, em função da repressão da criminalidade nos bairros mais populosos da cidade do Rio, houve o deslocamento dos criminosos para as cidades mais afastadas do estado, em busca de refúgio e nos mercados de atuação.
A absoluta predominância de bairros das zonas Norte e Oeste, além de outros municípios populosos da Região Metropolitana, leva-nos a pensar se esse espaço digital não estaria de alguma maneira suprindo uma necessidade comunicacional, uma vez que essas regiões parecem sub-representadas nos produtos das grandes empresas de comunicação. Sabemos, entretanto, que esses resultados não retratam nem a dinâmica da violência. A amostragem representa apenas um momento, já que as localidades que são tomadas pela violência mudam a cada instante e essa mobilidade pode ser vista e acompanhada na fanpages, somente pelo ponto de vista dessas interações entre os usuários.
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Gráfico 1 – Distribuição das ocorrências por bairro da cidade do Rio e em municípios vizinhos
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da OTT-RJ/ Facebook, utilizando como base mapa do Portal do Professor4, 2018.
Pelo fato de o Facebook permitir incluir um texto, entre as informações postadas estava o tipo de ocorrência policial. Pelo levantamento, a maioria foi de tiroteio, seguido por protesto, explosão a banco e roubo a veículo. Com relação ao tipo de conteúdo postado, verificamos que a grande parte foi de texto, sendo a forma preferida pelos usuários para postagem no período analisado, ficando foto e vídeo em segundo e terceiro lugares, respectivamente (quadro 2). Apesar de o número de curtidas e de comentários não ser o foco deste trabalho, pudemos verificar que, contraditoriamente, os vídeos foram os menos postados, mas tiveram maior alcance da audiência.
Fazendo uma referência ao funcionamento do algoritmo do Facebook, uma lógica matemática baseada em interação, conforme destacam Totaro e Ninno (2014), esse modelo tecnológico acaba forçando as fanpages a produzirem cada vez mais
4 PORTAL DO PROFESSOR, 2018. Um estudo cartográfico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://goo.gl/noUHtP>. Acesso em: 03 dez. 2018 .
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conteúdo, mais interativo e relevante, para que os seguidores passam interagir e continuarem visualizando o que é publicado. Dessa forma, a OTT-RJ espera ma nter o alcance e o número de engajamento.
Quadro 2 – Tipos de crimes e de conteúdo mais publicado segundo OTT- RJ
Tipo de crime
Tiroteio 192
Protesto 8
Explosão 4
Roubo a veículo 3
Utilidade pública 2
Tipo de conteúdo Texto
177
Vídeo 22
Foto 10
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do OTT-RJ, Facebook, 2018.
Além disso, a partir das funcionalidades da internet, que são o imediatismo e a velocidade da publicação, as informações eram postadas quase em tempo real. Esses recursos fizeram com que as informações fossem visualizadas e compartilhadas com rapidez no Facebook, potencializando o impacto que elas têm sobre os usuários da fanpage .

Fig. 1 – Postagem do OTT-RJ do dia 8 de junho
Fonte: OTT-RJ, Facebook, 2018, 8 de junho de 2018.
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Interagente B:
A inversão de papeis que vemos atualmente na nossa cidade é tão impressionante que parece ficção. Infelizmente é a realidade dos cariocas. Cidadãos de bem e os próprios policiais com MEDO de circular pela cidade, quando quem deveria ter qualquer temor deveria ser os bandidos. Inversão de papeis da vida real e, no decorrer desse filme de terror, vidas e famílias são destruídas para sempre, tudo isso é muito lamentável. Interagente C:
Muitos tiros parecia ser dentro de casa. Pavor... Crianças assustadas. Interagente D:
Quero um lugar que eu tenha sossego, segurança, isso aqui está uma loucura. Esse tiroteio de ontem é o fim do mundo. Fico desesperada. Estou louca para voltar para Brasília.
Interagente E:
Um absurdo cada dia pior o Rio de Janeiro, a cidade que eu tento amo e nasci.
Interagente F:
Parece que estamos na Síria aqui na Princesa Isabel, até granada tem! Está apavorante
Interagente G:
Muito tiro. Sim, com granadas. Ouço gritos também.
Interagente H:
Tô apavorado! Muito tiro... é guerra.
Interagente I:
Meu Deus morei três meses aí na Itapiru sai deixei até três meses de de depósito do aluguel.. um inferno isso aí
Interagente J:
Tiro para todo lado, fui parar no chão às quatro da manhã cena de guerra (OTT-RJ, Facebook, comentários na postagem de 8/06/2018, online, sic)
É possível ver nas postagens uma preocupação dos moradores do Rio com a questão do medo e da insegurança, ficando claro que isso aumenta à medida que não se privam de se movimentar livremente pela cidade. Em uma postagem do dia 8 de junho (figura 1), o usuário A fala sobre o medo que os cidadãos de bem e os policiais têm de circular pela cidade (interagente B). Em outra postagem, um seguidor da página alerta que as crianças estão apavoradas com os tiros (interagente C), alguns internautas reclamam da falta de segurança na cidade e os planos de se mudarem (D, E e I) e um outro fala da quantidade de tiros e granada em um episódio em Copacabana (G). Em outra ocasião, essa experiência do medo que aparece nas redes sociais acaba dando lugar a declarações que exprimem vergonha da situação da violência da cidade (G e H). Percebe-se ainda que os comentários são construídos com forte carga de emoção, como medo e pavor (H e J).
20 de junho às 11h06
OTT-RJ Informa:
Orientamos a família OTT que, caso possam, evitem a Linha Vermelha, e tenham muita atenção na Linha Amarela e Av. Brasil, na altura do
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Bianca Fernandes Antunes; Leticia Cantarela Matheus. Cartografia da violência no Facebook e a experiência do medo. p. 242 - 26 1.

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Complexo da Maré. Operação policial com tiros na região, podendo ter reflexos nas vias no entorno da Maré.
(OTT-RJ, Facebook, 20/06/2018, online )
O espaço para comentários é utilizado para realizar a marcação de outros internautas (tag), um dos recursos de interatividade do Facebook que permite que um membro da página coloque o nome de outra pessoa e que ela seja notificada disso. Essa forma de interação parece fazer parte do mecanismo de prestação de serviço colaborativo da página. Marcar amigos e parentes é a forma encontrada para alertar outras pessoas, dando conhecimento do que está acontecendo, reduzindo assim o risco de a outra pessoa ser vítima daquela violência.
Interagente K:
e por causa disso que o pedágio da linha amarela aumenta 5X por ano, pq ou paga 7 reais ou passa por aí... deprimente
Interagente L:
Uma amiga disse que fugiu do arrastão. Inferno! Nada muda. Pleno domingo a tarde!
(OTT-RJ, Facebook, comentários na postagem acima, de 20/06/2018, online, sic)
Fica claro ainda que a questão do medo e da insegurança acaba alterando a mobilidade de grande parte dos moradores pelo espaço urbano, criando uma nova dinâmica de circulação pela cidade, em função do imediatismo e da velocidade da publicação, duas outras condições tecnológicas do Facebook. O problema da mobilidade é constatado em uma publicação do dia 20 de junho, em que os moradores são alertados para não passarem pela Linha Vermelha por causa de um tiroteio no Complexo da Maré. Em outra ocasião, o interagente K critica o preço do pedágio da Linha Amarela onde as pessoas são obrigadas a passar sempre que há tiroteio na Avenida Brasil (interagente L). Há menções, ainda, a um arrastão registrado em um domingo. Quando os seguidores da página afirmam que deixam de circular por uma região, podemos considerar que a experiência medo está sendo elaborada, assimilada e negociada. Nesse sentido, não podemos deixar de assinalar que foi uma forma encontrada por eles para diminuir o risco da violência. Percebeu - se nos comentários que pelo fato de esse fenômeno, que une mobilidade e medo se afetando mutuamente, ser ainda muito recente, os moradores mostram que não sabem a quem recorrer para ajudá-los nesse processo. Eles ainda retratam nas falas
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publicadas no Facebook o medo que é refletido num misto de revolta e incapacidade de lidar com essa situação.
Interagente M:
Este e o nosso Rio sendo subtraído em liberdade de ir e vir. Que pena!!! Interagente N:
Fulano pra parar de pegar o túnel à noite de carro
Interagente O:
Sai do trabalho tive que dar uma volta danada pra chegar em casa, ninguém passa no túnel, tudo escuro e o Bope na estrada nem da pra ver nada la de tão escuro que ta fiquei mega assustada, quem puder evitar esses lados aqui é o melhor que tem a ver
Interagente P:
É miga to no fogo cruzado, pior é agora de manhã na hr de sair p/ trab Interagente Q:
Fulana acho q não vou querer mais pensar na vida, dentro de bus rsrs Agora pego o metrô mesmo!
Interagente R:
Senhor... que agonia só de lembrar que todo dia tenho que passar por essa local p ir trabalhar
(OTT-RJ, Facebook, comentários na postagem de 8/06/2018, online, sic)
Os comentários mostram ainda que os moradores estão cientes de que o direito de ir e vir deles, ou seja, a mobilidade, está sendo afetada pela violência. Em alguns casos, eles deixam de ir a algum lugar por causa da criminalidade (M); em outros, eles acabam alterando o trajeto para não serem vítimas da violência (N). Alguns internautas avisam ainda que alteraram até a forma de transporte para circular pela cidade, preferindo o uso do metrô ao ônibus (Q). Foi possível perceber também que a página é usada para publicar notícias de utilidade pública, numa forma de, aproveitando da audiência que conquistou, dar visibilidade a outras questões que não sejam apenas de crimes, mas que possui forte apelo comunitário. Por exemplo, no período estudado, havia alerta de roubo de automóvel e pedido de ajuda para localizar cachorro perdido em Botafogo.
5 Considerações parciais
A implantação das UPPs foi considerada uma das ações mais importantes da Secretaria de Segurança Pública do Rio e se tornou modelo para outras regiões brasileiras. O anúncio do fim do projeto, em abril deste ano, foi feito pelo Gabinete de Intervenção Federal das Forças Armadas e muito criticado pelos moradores que as
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consideravam uma forma de combate à criminalidade no Rio. Por um período de 30 dias, acompanhamos as postagens feitas pelos seguidores da fanpage OTT-RJ. A análise foi iniciada um mês após o fim da UPP para que, dessa forma, pudéssemos verificar os efeitos práticos do encerramento do projeto do governo nos números de criminalidade do estado.
Pelos rastros digitais postados pelos seguidores da fanpage, foi possível chegar às seguintes conclusões: primeiro, as informações postadas em OTT- RJ trazem as principais notícias de criminalidade, permitindo assim fazermos a identificação das ocorrências de crime num período de tempo; segundo, foram identificadas as regiões afetadas pela violência, realizando, desta forma uma cobertura geográfica da criminalidade numa representação cartográfica virtual do espaço carioca.
A partir disso, pontuamos as seguintes questões: a partir dos dados expostos, como a localização das regiões afetadas pela criminalidade nas publicações do Facebook, foi possível constatar que a violência afetou nesse período classes e grupos sociais de bairros, principalmente, das zonas Norte e Oeste do Rio, que são as áreas mais carentes do Rio de Janeiro. Já na Zona Sul, as ocorrências se deram e m favelas/comunidades dessa região, como o Morro Pavão-Pavãozinho, Vidigal e Favela da Rocinha, e não nas ruas nobres dos bairros que compõem essa localidade, mostrando assim uma segregação socioespacial; além disso, as informações de criminalidade não estavam restritas apenas à cidade do Rio, mas também aos municípios vizinhos como Niterói e São Gonçalo, que estão passando a sofrer com a violência que se alastrou pelo estado como um todo. Outro dado que vale ressaltar é o aumento da criminalidade em Angra dos Reis, cidade litorânea da Região dos Lagos e que possui um dos maiores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, com 12 ocorrências no período, encabeçando assim a lista de municípios e ultrapassando outros conhecidamente mais violentos como Belford Roxo (9) e Duque de Caxias (8).
Com a composição de uma cartografia da violência, os dados apontaram ainda uma delimitação geográfica a partir do cerceamento físico da mobilidade em função do recurso de instantaneidade e de publicação em tempo real permitida pelo Facebook. Dessa forma, ficou claro que o medo da violência publicada na fanpage
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modificou a vivência no ambiente público, ficando reduzida a lugares reservados e indicando como as informações virtuais alteraram a mobilidade pelo espaço físico da cidade, a partir da experiência do medo. Experiência essa que ganha maior repercussão quando o Facebook permite que um seguidor marque o outro na postagem, como forma de alertar outras pessoas, reduzindo, assim, o risco de ser vítima daquela violência.
As postagens indicaram ainda a forma preferida pelos seguidores para dar visibilidade às informações, que é por texto (177), seguido por vídeo (22) e foto (10). Já o tipo de crime que teve maior recorrência foi tiroteio (192), o que já era es perado já que é o tipo de ocorrência que dá nome à fanpage, seguido por protesto (8), explosão (4) e roubo a veículo (3). Por fim, verificamos ainda que a fanpage publica não apenas informações de criminalidade, mas também de utilidade pública (2).
Em suma, vimos que a experiência vivida na fanpage OTT-RJ inscreveu novas práticas sociais que superaram o ambiente virtual e extrapolaram para o ambiente físico, reduzindo a mobilidade e alterando a compreensão do lugar do sujeito na cidade.
REFERÊNCIAS
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Recebido em: 17.09. 2018
Aceito em: 20.11. 2018
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