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Smart Cities: comunicação e consumo de um futuro prescrito no espaço urbano

Smart Cities: communication and consumption of a prescribed future in urban space

Adriana Lima de Oliveira

Doutoranda em Comunicação e Práticas de Consumo na Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil, com período sanduíche no Cic-Digital – FCSH da Universidade Nova de Lisboa, UNL, Portugal. E-mail: publicidade.dri@gmail.com

Gisela Grangeiro da Silva Castro

Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de

Propaganda e Marketing, Brasil. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Pós - doutorada em Sociologia pelo Goldsmiths College, University of London, UL, Inglaterra. E-mail: castro.gisela@gmail.com

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo identificar os sentidos produzidos pelos textos culturais que versam sobre o tema cidade – atravessada por tecnologias e tecnicidades – articulados aos estudos de comunicação e consumo. Para tanto, tomamos como objeto de investigação a expressão Smart City, presente na cena midiá tica contemporânea, visando explorar o ideal de cidade que emerge como modelo para o desenvolvimento urbano, no qual as atuais dicotomias Estado /mercado, público/privado estariam sujeitadas pela ideia do espaço comum. Neste cenário, seria a tecnologia algo capaz de superar as diferenças seculares nas formas de ocupação do espaço urbano? A cidade mercadoria é a lente a partir da qual buscamos refletir sobre essa nova modalidade de organização da vida social na urbe contemporânea.

Palavras- chave:

Comunicação e consumo; Cidade; tecnicidades; Smart City .

Abstract:

This paper aims to identify the meanings produced by cultural texts about the city – crisscrossed by technologies and technicities – according to communication and con- sumption studies. We gear our research towards the expression Smart City in order to explore the ideal city that emerges as a model for urban development, in which the current State/market, public/private dichotomies would be subject to the idea of com- munal space. In this scenario, would technology be able to overcome secular differ- ences in the modes of occupation of the urban space? The merchandised city is the lens from which we seek to reflect on this new modality of organization of social life in contemporary cities.

Keywords :

Communication and consumption; City; technicities; Smart City.

INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.

Adriana Lima de Oliveira; Gisela Grangeiro da Silva Castro. Smart Cities: comunicação e consumo de um futuro prescrito no espaço urbano. p. 209- 225.


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1 Introdução

Antes da tecnologia se tornar proeminente já haviam prosperado algumas iniciativas de ordenamento do espaço público contempladas na expressão Smart Cities ou cidades inteligentes. Embora obviamente não do mesmo modo, as premissas de segurança, conforto e bem-estar e qualidade de vida já eram publicizadas como argumento de vendas em empreendimentos como Alphaville1, um dos mais expressivos condomínios fechados do Brasil, construído na década de 1970, consolidando um discurso positivista em que, conforme seus empreendedores, “o condomínio tornou a cidade um polo econômico, estabelecendo um conceito de urbanismo sustentável que se espalhou pelos quatro cantos do país” (Alphaville Urbanismo, s/d, online ).

Mais recentemente, tivemos o Parque Cidade Jardim2, primeiro empreendimento de uso misto – isto é, abriga duas ou mais funções no interior de um mesmo edifício, sejam elas o comércio, a moradia, o trabalho, o lazer – da cidade de São Paulo. Localizado em um terreno de 72.000 m2, compreende nove edifícios residenciais, além de um shopping center e um prédio corporativo que fazem divisa com a favela Jardim Panorama. A incorporadora JHSF justifica a ocupação da área e seus lucros com uma ampla divulgação de seu programa de sustentabilidade, com destaque para ações da empresa junto à comunidade local. Conforme descrito em sua página oficial, “a JHSF financia diversas ações voltadas para a comunidade como atividade de informática dirigidas a crianças e adultos, cursos profissionalizantes, cursos de ballet e atividades extracurriculares” (JHSF Participações, s/d, online). Além dessas iniciativas, mantém programas que identificam e desenvolvem competências profissionais básicas para os moradores da comunidade vizinha assumirem postos de trabalho gerados pelos edifícios residenciais e pelo shopping center. Com esse breve cenário podemos identificar de que maneira um complexo sistema de produção capitalista do espaço pode congregar interesses privados, políticas públicas e comunidades carentes em um mesmo ambiente, embora o pertencimento ao lugar seja distinto.

1 Alphaville Urbanismo. Disponível em: <https://goo.gl/ADrDDp>. Acesso em: 09 out. 2018.

2 JHSF - Parque Cidade Jardim. Disponível em: <https://goo.gl/Mt6h2C>. Acesso em: 30 set. 2018. INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.

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Fig. 1 – Vista panorâmica zona sudoeste de SP: Em vermelho, a favela Jardim Panorama; em azul: o complexo Parque Cidade Jardim.

Fonte: El País3 .

O resultado desse processo não é apenas a adoção de inovações características de cada período histórico. Como sinaliza Milton Santos (2012), a evolução urbana amálgama uma série de dados combinados, cujas causas são tanto nacionais quanto internacionais, em proporções diversas segundo os setores e os momentos. Neste sentido, voltamos nosso foco para o objeto deste trabalho, as chamadas cidades inteligentes ou, simplesmente, Smart Cities. Trata-se, segundo seus especialistas, de uma abordagem centrada no cidadão e direcionada a uma cidade mais sustentável, segura e eficiente.

O propósito da Smart Cities está voltada à ideia de Cidade do Futuro aplicada na prática com soluções efetivas para os municípios com tecnologia empregada, melhorando a relação do cidadão com o local onde vive e tornando processos comuns mais efetivos e funcionais, com recursos que possibilitam levar informação completa sobre a cidade e tecnologias que viabilizem uma verdadeira transformação social (IT2B)4 .

Dois termos que aparecem no texto e nos interessam para a análise são: futuro e cidadão. E é a partir deles que iremos buscar refletir sobre essa ideia de cidade, atravessada por tecnologias e tecnicidades, que prescreve um futuro no qual este cidadão estaria inserido. Chamamos a atenção para a produção, o ordenamento e a

3 OLIVEIRA, André. A favela do Parque Cidade Jardim: uma metáfora da São Paulo moderna. El País . 25/06/2016. Disponível em: <https://goo.gl/eFDC5S>. Acesso em: 09 out. 2018.

4 IT2B. Smart Cities Solution. Disponível em: <https://goo.gl/kj2mwp>. Acesso em: 09 out. 2018. INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.

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gestão do espaço que, conforme pudemos observar, sempre esteve no foco do capital. Por isso, quando Dunker (2015) apresenta a metáfora do muro, na qual o modelo segregacional de organização do espaço opera entre o mal-estar externo e o bem- estar interno, capta essa lógica ordenada do espaço social fazendo o estranho coincidir com o estrangeiro e deflagrando ordens de pertencimento a esses lugares produzidos pelo capital. Matéria do jornal britânico The Guardian traz interessante reflexão sobre a ilusão de segurança referente aos mais emblemáticos muros, ainda existentes ou não, tais como a Muralha da China, o Muro das Lamentações em Jerusalém e o Muro de Berlim (HENLEY, 2013). Ainda no mesmo caderno, Rice-Oakley (2013) discorre sobre a candente questão da segregação populacional ocasionada pelos diversos muros que caracterizam o mundo hodierno, com destaque para Alphaville, em São Paulo. Visível ou invisível, o muro sempre existiu e a sua forma mais bem-acabada é a lei. O muro aparece, portanto, como uma estrutura de defesa, de segregação, de distanciamento; mas é também uma forma de determinação do território. Neste sentido, sua legitimidade está na produção capitalista ou privatizada do espaç o. Entretanto, a narrativa contemporânea que pretende pensar a cidade a partir de

um sistema em rede determinado pela tecnologia, tem como objetivo “tornar as cidades mais inteligentes, humanas e sustentáveis”5. Neste cenário, seria a tecnologia capaz de atenuar diferenças seculares na forma de ocupação do espaço? A cidade- mercadoria, vista tanto no uso público de seus espaços quanto na disposição de suas trocas privatizadas, é a lente através da qual buscamos refletir sobre essa nova organização da vida social. Tal qual o muro, utilizamos recursos imagéticos – o terreno, a casa e a família – objetivando deflagrar os contextos em que são atribuídos sentidos a esse discurso, evidenciando suas lógicas de produção e consumo.

2 Cidade Digital ou a metáfora do terreno

Para melhor compreensão do conceito de Smart City, utilizamos a descrição feita por Daniel Merege (2018), idealizador da CityTech6, que o divide em trê s instâncias: digital, inteligente e cognitiva. Segundo o especialista, “pelo próprio apelo

5 CONNECTED SMART CITIES. Site. Disponível em: <https://goo.gl/6f24iP>. Acesso em: 09 out. 2018.

6 CITYTECH. Blog. Disponível em: <https://goo.gl/CYF5co>. Acesso em: 30 set. 2018. INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.

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futurista e de evolução, as cidades inteligentes atraem diversos atores sócioecon ômicos no mundo que, infelizmente, pouco fazem de concreto para transformar palavras em ação”. E foi pensando nisso que Merege (2018) publicou no blog da CityTech vários textos que denominou “jornadas” para tentar explicar como “de fato extrair valor das tecnologias emergentes da informação e comunicação para melhorar a vida do cidadão e tornar a gestão urbana mais eficiente e inteligente” (MEREGE, 2018, online). Essa jornada, portanto, começa com o primeiro estágio, a cidade digital.

Conforme explica o especialista, esse é o estágio mais insipiente para que uma cidade se torne inteligente, e tem como primeiro passo incorporar as tecnologias de informação e comunicação (TIC) à sua infraestrutura, seus serviços e sua gestão. Trata-se, utilizando a metáfora do terreno, da compra do espaço e suas benfeitorias. Dentre as ações desenvolvidas no estágio da cidade digital estão instalação de sensores urbanos, implementação de rede de fibra ótica e digitalização de documentos da gestão pública. Essa cidade, planejada do zero, é reconhecida em textos midiáticos como greenfield. De acordo com a matéria de capa da revista HSM Management intitulada “Cidades Inteligentes Já”7, este modelo é similar a uma “planta industrial”. Na sequência, temos o modelo renewal, quando há o redesenho de uma estrutura já existente, e o retrofit relacionado à implantação de um movimento social ou cultural que redireciona a região. Importante notar que todas essas nomenclaturas são determinações mercadológicas do espaço e não necessariamente são utilizadas para os estudos sobre o tema. Isso possibilita aquilatar o quanto a linguagem é um importante instrumento de mobilização e convocação neste capitalismo cognitivo (BLONDEAU et al, 2004; FUMAGALLI, 2010).

Para pensar este primeiro estágio da cidade no modelo proposto de Smart City , nossa reflexão recai sobre dois aspectos da cidade que a tornam singular e de difícil apreensão. Oprimeiro é a produção capitalista do espaço urbano. As relações espaciais e as estruturas geográficas variáveis são acomodadas por ajustes impostos por regiões e entre os quais ocorre o fluxo contínuo do processo social. Essas transformações nas relações espaciais estruturam geografias específicas, como centro e periferia, primeiro e terceiro mundos. Nestas circunstâncias, conforme propõe Harvey (2014), o direito à

7 HSM Management. Dossiê Smart Cities: transformação digital nos serviços públicos. Capa. Edição 127, mar/abr, 2018.

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cidade “encontra-se muito mais estreitamente confinado, na maior parte dos casos, nas mãos de uma pequena elite política e econômica com condições de moldar a cidade cada vez mais segundo suas necessidades particulares e seus profundos desejos” (HARVEY, 2014, p. 63). Isso implica no reconhecimento da cidade tanto como produto quanto como condição dos processos sociais de transformação em curso. O segundo tem suas raízes nas evoluções tecnológicas. Na apresentação de seu “manifesto de cidadania digital”8, Massimo di Felice (2018), explica que “nossa era é caracterizada por uma importante transformação que indica a transição de formas subjetivas e humanísticas de interação e cidadania para formas digitais, algorítmicas e info-ecológicas de participação e vida”. Sendo assim, seria necessário “mudar nossa concepção do social e nos preparar para habitar as info-ecologias e as redes do mundo vindouro” (DI FELICE, 2018, online). Nesta visada, justifica-se a utilização dos recursos tecnológicos na administração e ordenamento das cidades, uma vez que todo o seu potencial está previsto nesta “ecologia transorgânica”. Contudo, se o que está por trás das chamadas Smart Cities é a ideia de usar a tecnologia para melhorar a gestão das cidades e aumentar a eficiência dos serviços a partir da manipulação e da gest ão da chamada Big Data – massa de informações produzidas pelos próprios cidadãos conectados –, quem reúne e interpreta esses dados? E, ainda, com quais objetivos? Estas são perguntas feitas pela urbanista Raquel Rolnik (2017). Suas

indagações vão na contramão dessa tendência laudatória e acrítica em relação ao uso das chamadas tecnologias inteligentes na gestão urbana. Para a estudiosa, um dos fatores que bloqueiam a reforma urbana elaborada de forma participativa é que os “Planos Diretores tratam somente da reprodução do espaço construído pela mercadoria, aplicando-se apenas à cidade formal, o que corresponde, talvez à metade do território e à minoria dos seus habitantes” (ROLNIK, 2017, online)9. Tal dist ância entre cidade formal e informal é bastante significativa para a nossa reflexão e tem a ver com os reais processos de produção da cidade, que são decididos no dia a dia e não por planos institucionais, mediados por interesses econômicos, sociais e políticos. No

8 Manifesto Cidadania Digital. Disponível em: <https://goo.gl/cSSyG6>. Acesso em: 09 out. 2018.

9 Entrevista concedida por Raquel Rolnik ao jornal Folha de S. Paulo no lançamento do seu livro Territórios em conflito. São Paulo: história, espaço e política (Três Estrelas, 2017). Disponível em: <https://goo.gl/3Zm4sc>. Acesso em: 01 out. 2018.

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entanto, para tratar desse assunto com propriedade, precisamos avançar nas definições de Cidade Intelig ente.

3 Cidade Inteligente ou a metáfora da casa

Uma vez criado o “terreno tecnológico”, continuando na explanação de Daniel Merege (2018), chegou a hora de integrar os serviços urbanos, agora digitais. E aqui, os especialistas são unânimes em utilizar a palavra “integração” como definidora desse processo de inteligência da cidade.

É a troca automática de dados entre sistemas urbanos e a geração de informações a partir deles que permitem à gestão pública e aos cidadãos entender o contexto urbano e se comunicar, com o principal objetivo de melhorar a qualidade dos serviços públicos, em todas as esferas, e utilizar de maneira mais eficiente os cada vez mais escassos recursos da cidade (MEREGE, 2018, online)10 .

A cidade, portanto, nesta visão especialista, é considerada um sistema dentro do sistema e, por isso, a tecnologia se apresenta como uma grande aliada na gestão e funcionamento eficiente desses sistemas por meio da coleta, processamento e análise de dados produzidos por todos eles. O grande trunfo desse discurso está na gestão de recursos, pois, como é de conhecimento público, as cidades possuem recursos cada vez mais escassos para a quantidade de pessoas que nelas habitam e delas dependem para viver. Neste sentido, “uma gestão eficiente desses recursos evita o desperdício e os direciona proporcionalmente para os locais que mais precisam” (MEREGE, 2018, online)11. Neste lugar, encontram-se a metáfora da casa e suas formas de administração familiar. A objetividade da narrativa torna oblíquas as limitações e vieses de dados e algoritmos. Esse é o maior desafio da Inteligência Artificial hoje. “Repercussões devastadoras podem surgir quando fatores humanos, conscientes ou não, impactam a escolha dos dados a serem usados ou descartados” (HSM Management, 2018)12 . Neste cenário, autores como Blauer (2018) apresentam o argumento de que se

os governos não se atentarem para as necessidades das cidades neste século XXI e o

10 MEREGE, Daniel. Jornada CityTech: a Cidade Inteligente. Blog CityTech. 08 mai. 2018. Disponível em: <https://goo.gl/nL2zzw>. Acesso em: 30 set. 2018.

11 ibidem.

12 Limitações para a inteligência artificial. HSM Management. Edição 127, mar./abr, 2018, p. 68- 72. INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.

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impacto que a economia compartilhada (em rede) tem tido em seus sistemas, com efeitos desiguais para os seus moradores, estes acabarão por serem deixados para trás pelas organizações do setor privado. Apromoção do mercado em detrimento do Estado é o que está presente na maioria desses discursos sobre como um projeto privado de cidade pode funcionar de maneira socialmente adequada. Neste sentido, o papel do governo se resume a de um facilitador para as atividades do setor imobiliário no espaço urbano. Um exemplo é a Smart City Palava, criada pelo grupo privado Lodha13, um dos maiores empreendedores imobiliários da Índia, indicada como modelo de como um projeto privado pode funcionar. Segundo Abhishek Lodha (2018), sócio e CEO do grupo Lodha, Palava não teria sido possível sem políticas governamentais, como a que permite que as construtoras adquiram a terra, façam o zoneamento adequado e implementem a infraestrutura de forma segura.


Fig. 2 – Palava City.

Fonte: site institucional da construtora Lodha14 .

Mas não precisamos ir tão longe para falar de cidade inteligente. Aqui no Brasil, mais precisamente no distrito de Croatá (CE), temos Laguna15, a primeira Smart

13 HSM Management. Palava criada do zero. Edição 127, mar./abr, 2018, p. 50- 52.

14 SMART CITY PALAVA. Cidade indiana criada do zero. Disponível em: <https://goo.gl/ do2thd>. Acesso em: 30 set. 2018.

15 SMART CITY LAGUNA. O projeto piloto de Croatá. Disponível em: <https://goo.gl/a2advf>. Acesso em: 30 set. 2018.

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City Social do país. A indicação do termo social corresponde aos valores comercializados dos lotes, a partir de 110 mil reais por 150 metros quadrados. Segundo seus organizadores, “é uma proposta única de cidade inteligente, já que, ao contrário de quase todas as smart cities de que se tem conhecimento, Laguna foi pensada para ser inclusiva e acessível” (Engenharia É, 2017, online ).

A diferença entre Palava e Laguna está no discurso: a primeira enfatiza a eficiência e a segunda, a inclusão e o acesso. O que as une é a tecnologia. A cidade publicizada é aberta e acessível, muito distante dos condomínios fechados aos quais nos referimos no início do texto. Contudo, a noção de um empreendimento social contrasta com a perspectiva de monitoramento e gestão privados. Se a inteligência da cidade é extraída dos dados gerados pelos cidadãos, as diferenças econômicas e sociais resultariam em dados qualificáveis e não qualificáveis para serem utilizados. A eficácia de um sistema como esse estaria na gestão, segundo os preceitos da cidade cognitiva. E aqui chegamos ao nosso terceiro e último estágio.

4 Cidade Cognitiva ou a metáfora da famí lia

Com uma cidade, em acordo com os dois estágios anteriores, melhor e mais eficiente – melhor pois tem a tecnologia embarcada em seus processos e infraestrutura, mais eficiente pois consegue integrar todos esses sistemas para determinados fins –, é chegado o momento de extrair conhecimento e insight dos dados produzidos pelo ambiente urbano para, conforme anunciam os especialistas, criar um sistema de aprendizado e de memória, com o “objetivo de fazer os próprios sistemas da cidade agirem de maneira mais inteligente e autônoma, e responder dinamicamente aos desafios urbanos” (MEREGE, 2018)16. Aessência desse terceiro estágio é o cognitivo. A cidade é vista sob duas perspectivas: a da sustentabilidade, que inclui o ser humano e o meio ambiente como partes fundamentais desse processo de construção do espaço, e a resiliência, que implica a ideia de uma cidade que aprende a partir dos eventos que ocorrem em seu território e se adapta às mudanças impostas a ela. Neste cenário, somente a tecnologia não é suficiente. Há necessidade de uma mudança de mindset

16 MEREGE, Daniel. Jornada CityTech: a Cidade Cognitiva. Blog CityTech, 29 mai. 2018. Disponível em: <https://goo.gl/3WXmJf>. Acesso em: 01 out. 2018.

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(para ficar na mesma sintonia do discurso especialista) na forma como a gestão urbana é organizada: deixa-se de lado uma gestão centralizada – comando e controle do Estado – para uma gestão descentralizada – nos moldes da rede e com apelo para uma participação ativa do sujeito, usuário da cidade e parte de sua inteligência. Nesta metáfora da grande família, todos estariam incluídos e colaborariam para a manutenção da casa. O termo exclusão dá lugar à seleção, e esta é feita com base na atividade considerada qualificada para o mercado de dados.

Essa nova forma de vida social se aproxima do que Boltanski e Chiapello (2009) denominaram “cidade por projeto”: um sistema de injunções que orienta a produção para a forma de rede e a informação para o modo de conexão. “Numa cidade por projetos, o equivalente geral, aquilo pelo que se mede a grandeza das pessoas e coisas, é a atividade” (p. 141). Mas, ao contrário do que se verifica numa cidade industrial, onde a atividade se confunde com o trabalho, na cidade por projeto a atividade supera as oposições entre trabalho e não trabalho, estável e não estável, trabalho assalariado e não assalariado, ações motivadas por interesse e filantropia. A atividade tem em vista gerar projetos ou integrar-se em projetos iniciados por outros. Neste movimento sem fim, tudo pode ascender à dignidade de “projeto”, inclusive as cidades. “Ao se descrever toda e qualquer realização com uma gramática nominal, que é a gramática do projeto, apagam-se as diferenças entre projeto capitalista e u ma realização banal” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 143). Mascaram- se, portanto, os aspectos comerciais e mercadológicos dos projetos privatizados de cidade e emergem as narrativas ditas sociais e cidadãs.

Diante da insuficiência da crítica, o novo empreendedorismo urbano é tido como perfeitamente palatável e a noção de parceria público privada (PPP)17 se configura como até mesmo desejável, na qual iniciativa tradicionalmente local se integra com o uso dos poderes governamentais, buscando atrair fontes externas de financiamentos diretos ou novas fontes de emprego. Não por acaso, cargos eletivos nesse tipo de cidade são preenchidos por gestores e não políticos. A equaçã o contemporânea que posiciona o mercado como sinônimo de democracia é a mesma que projeta no cidadão o consumidor potencial e lhe confere a experiência da liberdade

17 Umexemplo de parceria público privada (PPP) considerado bem-sucedido é apresentado pela revista HSM Management (ed. 127, p. 47), que aponta Belo Horizonte e o consórcio BHIP como pioneiros na modernização da cidade em larga escala .

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de escolha. Mas, para que não sobrem dúvidas, a escolha só pode ser efetuada nos limites do já dado, daquilo que já foi previamente determinado ou prescrito.

Neste cenário, destacamos a prevalência da crise política e de classe sobre a crise econômica. Um dos lugares propícios para começar uma reação seria o espaço e a vida urbana que se degradam rapidamente em decorrência de práticas predatórias nos mercados imobiliários urbanos.

A reprodução do capital passa por processos de urbanização de inúmeras maneiras. Contudo, a urbanização do capital pressupõe a capacidade de o poder de classe capitalista dominar o processo urbano. Isso implica a dominação da classe capitalista não apenas sobre os aparelhos do Estado (em particular, as instâncias do poder estatal que administram e governam as condições sociais e infraestruturais nas estruturas territoriais), como também sobre populações inteiras - seus estilos de vida, sua capacidade de trabalho, seus valores culturais e políticos, suas visões de mundo (HARVEY, 2014, p. 133).

A cidade e o processo urbano que a produz são, portanto, importantes esferas de luta política, social e de classe. Por essa razão, a ideia de participação não é a mes ma que subjaz à de pertencimento. Quem pode ou não participar ou pertencer à pólis? Os limites da cidade são estendidos a partir dessa lógica do pertencimento: quem está dentro e quem está fora. Observemos que, nesse contexto, a ideia de pertencimento é facultada não mais de forma política, mas por uma ideia de legalidade. Somos iguais e livres perante a lei: para fazer contratos e trocar mercadorias. A lei estabelece essa condição e o Estado a sustenta a partir das normas jurídicas. A esse respeito, vale uma referência ao consistente debate promovido pelo SESC-SP em torno do multifacetado tema da violência em Cidades Rebeldes18 .

Ao investigar a totalidade social a partir das relações de produção, Mascaro (2013) afirma que o campo político, tal qual nós o concebemos desde a modernidade, está necessariamente atrelado às formas sociais do capitalismo, nas suas múltiplas relações e contradições. Neste sentido, o Estado seria um derivado necessário da própria reprodução capitalista. Quem decide para quem são criados os espaços para a construção de uma praça ou de um shopping? E quais seriam os benefícios e lucros resultantes destes espaços, apresentados como justificativa para sua criação? Nesse

18 Cidades Rebeldes: Pólis, polícia: violência policial e urbanização, com Guaracy Mingardi, Raquel Rolnik e Silvio Luiz de Almeida. Leonardo Cazes (mediação). Disponível em: <https://goo.gl/dsS2Lb>. Acesso em: 01 out. 2018.

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contexto, a cidade não provocaria uma violência direta, mas, principalmente, uma violência de ordem simb ólica.

Não obstante, esta é uma visão que se contrapõe aos princípios da cidade cognitiva. A harmonia, manifesta no ideal de uma grande família, tomaria distância da violência e dos desajustes sociais. Segundo alegam seus especialistas, a cidade cognitiva sentiria a vibração urbana e se adaptaria a ela, de maneira autônoma. Em outras palavras, todos os seus participantes teriam um canal aberto e fluido com a cidade, para sugerir mudanças e pedir por melhorias que pudessem ser atendidas rapidamente. Assim sendo, a cidade cognitiva fecha sua narrativa e se justifica ao se definir do seguinte modo :

[...] é a cidade que utiliza do arsenal tecnológico e de seus dados para simplesmente ser a cidade em que as pessoas desejam viver e conviver, independente do que seja esse desejo, dado que a própria cidade irá aprender a partir de sua interação com os cidadãos e o meio ambiente (MEREGE, 2018, online)19 .

Esse sistema, fac-símile do sistema capitalista de produção, prevê, pelo que parece, um trabalho incessante de criação, desenvolvimento e manutenção e, portanto, sentencia um trabalhador aprendente para toda a vida e um consumidor que, agora, torna-se um investidor: o sujeito é o próprio meio de produção. O capital, por conseguinte, toma de assalto a própria vida em seu processo de produção e reprodução social.

Nestes termos, a comunicação passa a ser o motor da realização monetária do capitalismo cognitivo. Desse modo, a participação no capitalismo cognitivo seria, ao mesmo tempo, participação da opinião pública, ato de comunicação e marketing de si mesmo (FUMAGALLI, 2010). Assim, cidade e capitalismo cognitivo fazem parte de uma mesma estrutura, dividida em infraestrutura (tecnologia) e superestrutura (dados). Estabelecido o terreno, construída a casa e assentada a família, agora é hora de entender como funcionam as regras da vizinhança nesse sistema de organização e gestão urbana .

19 MEREGE, Daniel. Jornada CityTech: a Cidade Cognitiva. Blog CityTech, 29 mai. 2018. Disponível em: <https://goo.gl/e2RcNk>. Acesso em: 01 out. 2018.

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5 Capitalismo cognitivo ou a gestão do comum

O título de uma publicação na internet chama a atenção: A cidade do futuro que não tem políticos, classes sociais ou religião e é governada pelas pessoas20 : Trata-se de Auroville, uma cidade localizada no Sul da Índia. Apresentada como autossustentável, lá não há cargos públicos ou hierarquias governamentais. A princípio, para morar em Auroville bastaria querer e dispor de dinheiro suficiente para o investimento. Uma casa por lá custa em torno de 3 mil dólares, o que, segundo os organizadores, seriam justificados pela sua espetacular arquitetura. Longe de ser considerada uma Smart City, o que buscamos com esse exemplo é problematizar a ideia do comum.

David Harvey (2014) argumenta sobre a criação de bens comuns urbanos como ponto de partida para a crítica anticapitalista e a militância política. Segundo o autor (2014), embora essa reflexão sobre o “comum” tenha ganhado fôlego nos últimos tempos, costuma ser constantemente polarizada entre soluções de propriedade privada, de um lado, e de intervenção estatal autoritária, por outro (HARVEY, 2014, p. 136). A escolha dicotômica entre Estado e mercado implica necessariamente em formas de organização por subordinação, principalmente quando se trata dos problemas em grande escala.

Nesta reflexão proposta pelo estudioso interessa-nos a distinção importante entre os espaços públicos e os espaços comuns. Os primeiros sempre foram uma questão de poder de Estado e da administração pública. Não constituem, conforme assevera Harvey (2014), um “comum”. “Com que frequência os projetos de desenvolvimento são subsidiados pelo Estado em nome do interesse comum quando, na verdade, os verdadeiros beneficiários são alguns proprietários de terras, financistas e empreiteiras?”, indaga Harvey (2014, p. 154).

Na concepção da Smart City, o questionamento acerca do conhecimento sobre os dados gerados pelos próprios cidadãos em suas ações cotidianas deve servir apenas para que novos produtos possam ser ofertados ou poderiam também servir para a autonomia do sujeito? Debatido pela urbanista Raquel Rolnik (2017), o tema da

20 HYPENESS. Acidade do futuro que não tem políticos, classes sociais ou religião e é governada pelas pessoas. s/d. Inspiração. Disponível em: <https://goo.gl/3PYZwT>. Acesso em: 30 set. 2018.

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apropriação dos dados é central para definir “para que” e “para quem” eles servirã o. A discussão sobre o impacto da tecnologia na vida das pessoas implica uma nova cadeia produtiva determinada por um conjunto de mediações sociais. É disso que trata o capitalismo cognitivo: a grande expansão da riqueza cognitiva seria justamente o “comum” do conhecimento; ou seja, o conhecimento partilhado posto em comum. Para Blondeau (2004) esta é a passagem do welfare para o commonfare; ou

seja, uma variação atual do conceito bem-estar que leva em conta a evolução das relações sociais de produção sem se limitar às características produtivas tecnológicas, mas também destacando sua dimensão cognitiva. Esta nova forma de capitalismo coloca sobre a cadeia produtiva um determinado conjunto de mediações sociais. Nesta perspectiva, a ideia de Smart City estaria no centro das discussões sobre o impacto da s chamadas tecnologias inteligentes na vida social e econômica, colocando em cena uma atual aposta política na livre circulação de conhecimento. Essa pretensa liberdade na produção, circulação e consumo de dados coloca em cena uma acirrada e nem sempre explícita disputa em que, de um lado estão aqueles que exploram a tecnologia e auferem lucro de forma privada. De outro, os adeptos do software livre partilham da mesma desorientação proporcionada pelo capital que (re)posiciona a produção e a expansão de sua riqueza por meio do conhecimento (com)partilhado, posto “em comu m”.

6 Considerações Finais

Ao retomarmos a pergunta: “seria o uso da tecnologia capaz de superar diferenças seculares na forma de ocupação do espaço?”, parece-nos que a resposta seria não. No entanto, cabe atualizar e justificar esses termos. Atravessada pelas tecnologias e tecnicidades próprias do seu tempo, a cidade se utiliza dessas inovações para dar conta das transformações nas formas de vida presentes em seus territórios de modos diversos. Tal utilização é plenamente justificada e valorizada por iniciativas que promovem a participação de todos os seus habitantes no processo de gest ão inteligente da cidade .

A partir da análise dos textos publicizados sobre o conceito de Smart City procuramos identificar a promoção de um ideal de futuro que, nos parece, pouco altera

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as distinções socialmente determinadas apesar do tom ufanista dos textos publicitários que apregoam o dito futuro como sendo democrático e inclusivo.

Neste ponto, resgatamos as definições de “futuro” e de “cidadão” que se encontram incorporadas às narrativas sobre cidades inteligentes e vislumbramos tanto uma natureza humana marcada por sua projeção em outro tempo e espaço quanto os atuais instrumentos necessários para o avanço desta atividade com base em dados informacionais. Tal descolamento temporal está presente no ideário argumentativo do Future Concept Lab, empresa de Francesco Morace (2013, p. 20): para quem “o futuro existe não para ser previsto, mas para ser construído”. Parece-nos que esta formulação condensa de modo exemplar a estratégia de promoção e o apelo para o consumo da ideia de Smart City .

Contudo, problematizamos neste trabalho a prescrição embutida neste modo de construção do espaço urbano. Em um cenário digital, a agilidade, a eficiência e a eficácia na gestão dos dados tornaria possível aplicar diagnósticos e formular prognósticos sobre o lugar de modo a encaminhar as devidas soluções. Pensar em Big Data é também conceber uma classificação e ordenação que influem sobre os resultados e seus fins. Nesta suposta evolução paradigmática das cidades, nã o aspiraríamos mais por uma visibilidade utópica mas por uma inspiração crível. Nesses termos, a cidade do futuro não é um acontecimento. Trata-se, isso sim, de um projeto. Ao refletirmos sobre os efeitos de sentido que as narrativas extraídas dos textos da cultura que versam sobre a cidade atravessada por tecnologias e tecnicidades, vemos que estas narrativas provocam e convocam o sujeito para uma experiência renovada de consumo “com” e “no” espaço urbano. Assim sendo, podemos inferir que: (1) a cidade e seus espaços urbanos possuem temporalidades distintas e por essa razão abrigam também outros modos de viver e ver o mundo; (2) a apropriação dos espaços urbanos da cidade também se manifesta de forma desigual entre os que são visíveis e aqueles invisibilizados pela tecnologia institucionalizada; (3) Estado e mercado determinam a posse e os usos do território, o que contribui para tornar indistinta a separação entre espaço público e privado; (4) o espaço comum é cooptado pelo capital e requer a cooperação, a comunicação e o controle social (ou autocontrole) baseados em uma economia cognitiva; e, finalmente (5) a imagem futurista que a Smart City

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carrega é prescrita e não prevista, pois se apoia em uma base sistêmica e projet iva próprias da tecnologia de projeto .

Um questionamento que emerge fortemente neste cenário poderia ser formulado do seguinte modo: esta “imagem futurista” da cidade inteligente não estaria muito próxima das “grandes narrativas” modernas? Parece-nos que nessa imagem estariam sendo mobilizados não mais o progresso incessante e linear, mas seus conceitos universais de felicidade, liberdade, igualdade e fraternidade.

O paradoxo da cidade do futuro estaria localizado na passagem do território da fábrica para o território da informação. Se, de um lado, teríamos a promessa de uma liderança colaborativa e inspirada para entregar um futuro melhor para a sociedade, no outro temos uma massa de irregulares, ilegais e informais alijados dessa racionalidade totalitária e supostamente totalizante. Importa destacar que a lógica do capitalismo contemporâneo (SENNETT, 2006), que opera no coração da subjetividade, também produz espaços de resistência nos quais os movimentos de oposição podem se formar. Para concluir, entendemos que para enfrentar as complexas e urgentes questões decorrentes da ocupação e gestão do espaço urbano, precisamos de muito mais do que números, dígitos, projeções e estatísticas.

REFER ÊNCIAS

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MORACE, Francesco. O que é futuro? São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2013.

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ROLNIK, Raquel. Smart Cities: o cidadão em mãos de aproveitadores. Outras Palavras. Outras Mídias. 17 set. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/etZuWz>. Acesso em: 01 out. 2018.

SANTOS, Milton. Por uma economia política da cidade. São Paulo: Edusp, 2012. SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Recebido em: 10.10.2018

Aceito em: 04.11.2018

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