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Expo Milano 2015: espaço midiático para o branding urbano

Expo Milano 2015: media space for urban branding

Flávio Lins Rodrigues

Professor efetivo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. Doutor em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: flavio.lins@oi.com.br

Maria Helena Carmo dos Santos

Professora da graduação e de Pós-Graduação Latu Sensu das Faculdades Integradas Hélio Alonso, Brasil. Professora substituta da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Doutora em Comunicação pela

Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: mhcarmo@yahoo.com.br

Ana Teresa Gotardo

Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: aninhate@gmail.com

Resumo:

As exposições universais se configuram como espaço midiático dentro dos projetos de branding urbano, os quais buscam criar uma marca para a cidade de forma a torná-la consumível enquanto mercadoria. Nessa perspectiva, este artigo apresenta a Expo Milano 2015, um megaevento com duração de seis meses, 150 países participantes e mais de 21 milhões de visitantes. Apesar dos problemas ligados ao megaevento (manifestações dos habitantes da cidade, gentrificação), ele foi considerado um sucesso sob o ponto de vista do marketing. A visão da cidade como produto mercadológico, no entanto, é também a construção de uma cidade “ideal” que muitas vezes desconsidera os diversos sujeitos e subjetividades que a compõem.

Palavras- chave:

Expo Milano 2015; Exposição Universal; Branding Urbano.

Abstract:

The Universal Exhibitions configure themselves as media space within the urban branding projects which aim to create a brand for the city to make it be consumed as a commodity. From this perspective, this paper presents the Expo Milano 2015, a six months mega event in which 150 participating countries and more than 21 million visitors. Despite the problems associated with this mega event (such as demonstrations of the inhabitants of the city and gentrification), the Expo Milano has been considered a success from a marketing point of view. The vision of the city as a marketing product, however, is also the construction of the "ideal" city that oftentimes takes into account the several subjects and subjectivities that are part of it.

Keywords :

Expo Milano 2015; Universal Exhibition; Urban branding.

INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.

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1 Introdução

O século XXI começou com o número de pessoas nas cidades superando o de pessoas que vivem no campo pela primeira vez (WORLD, 2015, p. 21). A magia deste agrupamento sempre seduziu. No início, havia a necessidade de ampliar a segurança e o potencial de caça, mas a união pela sobrevivência também apontava para o florescimento da civilização. A partir da Revolução Industrial, este processo foi intensificado. Desde o início, a cidade se configurava como um espaço de transmissão e recepção de informações, e encontrava, com as novas tecnologias e maior concentração de pessoas, as bases para a elaboração de poderosos meios de comunicação. Quando a indústria migrou-se e concentrou-se em determinadas regiões do globo, coube aos excluídos deste processo a criação de riqueza e empregos a partir de outros mecanismos, bem como encontrar soluções para dar visibilidade a esse arranjo. Às velhas fábricas e portos atribuíram-se novas funções. Os atributos das cidades tornaram-se, então, artifícios de sedução.

A cidade precisa tornar-se uma marca1 atrativa para ser desejada, comprada e consumida. Quando entendemos cidades, países e regiões como produtos, surge a necessidade de adotar estratégias de marketing para vendê-los de forma eficaz. O branding, ou gestão de marcas, torna-se a pedra angular desse movimento. O branding urbano, ou branding das cidades, lida com os atributos desses lugares, selecionando ou criando aqueles que podem contribuir para a construção de uma marca forte a fim de relançar o produto cidade para um mercado mundial. Motivadas pelo vigor de Barcelona, cuja reconfiguração urbana e imagética para as Olimpíadas de 1992 a transformaram na 12ª cidade mais visitada do mundo2, as cidades passaram a disputar os grandes eventos na expectativa de gerarem empregos, promoverem reformas urbanas expressivas e colocarem a cidade/país na vitrine do mundo.

1 “A marca representa muito mais que um produto, uma grife, um logo, um símbolo, um slogan, um anúncio, um jingle, um porta-voz; todos esses são apenas componentes tangíveis da marca – e não a totalidade dela. ‘Marca’ abrange vários aspectos. Marca é uma promessa, a totalidade de percepções – tudo aquilo que alguém vê, ouve, lê, conhece, sente, pensa, etc. – sobre um produto, serviço ou negócio. [...] Trata-se de um conjunto de atributos, benefícios, crenças e valores que diferencia, reduz a complexidade e simplifica o processo de tomada de decisão” (KOTLER; PFOERTSCH, 2008, p. 32).

2 Disponível em: <https://goo.gl/ENiJJP>. Acesso em: 3 set. 2018.

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Mesmo o projeto de Barcelona recebeu críticas, como a gentrificação de áreas antes acessíveis a todos os moradores da cidade. Ou seja, ao toque de Midas dos grandes eventos misturam-se objetivos menos nobres, nos quais interesses políticos e econômicos estão em jogo. A Grécia, que sediou as Olimpíadas de 2004, passa há mais de uma década por uma grave crise que teria sido aprofundada graças aos investimentos feitos para sediar os jogos. Com as exposições universais não é diferente: histórias de sucessos e derrotas se confundem, apontando que não se trata de uma receita de sucesso, mas de grandes eventos que podem ou não corresponder à expectativa de público e organizadores, embora, para os grandes investidores internacionais, interessados mais nas obras milionárias do que em resultados positivos pós-evento para a cidade como um todo, a oportunidade pareça ser infalível. Interessa-nos, portanto, analisar de que forma a Expo Milano 2015 impactou a marca da cidade/país no cenário internacional, uma vez que esse tipo de evento pode ser uma lucrativa plataforma de comunicação para diversos atores sociais, como investidores, patrocinadores. Para isso, optou-se pela pesquisa documental, com consulta a jornais, revistas e relatórios, fontes que não têm, a priori, tratamento analítico, mas que contribuem com dados atualizados sobre os acontecimentos retratados.

2 Exposições Universais – a celebração do progresso

Na segunda metade do século XIX, França e Inglaterra já eram potências industriais. Para conquistar novos mercados, foram criadas as Exposições Universais, que se tornaram também mostruários para ideologias e estilos de vida. Walter Benjamin (2006, p. 57) destaca que as exposições universais se converteram em “lugares de peregrinação ao fetiche da mercadoria”. Inicialmente, França e Inglaterra se revezavam como sede dos eventos. A proposta, que permanece, era de que além do país-sede outras nações também participassem. O espetáculo pretendia apresentar e encantar o público com as maravilhas de sua época, alertando para as surpreendentes possibilidades às quais o futuro acenava. Para isso, os espaços eram recheados com o que havia de mais atraente e fascinante. A arquitetura espetacular e

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muitas vezes efêmera criava uma atmosfera mágica e dava ares de festa para essas celebrações do capitalismo.

Moldadas a partir do formato experimentado em feiras populares do século XVIII, caminharam do regional ao internacional, passando pelo nacional. As exposições universais que floresceram a partir de 1851, quando se realizou em Londres a primeira, além de celebrarem a indústria e os avanços tecnológicos, buscavam legitimar e justificar o colonialismo europeu. Resultaram, inclusive, na realização de exposições unicamente coloniais, onde os impérios mostravam exemplares de produtos, pessoas e do estilo de vida da colônia. Demonstrava-se que “escravizar os negros e dominar o índio, arrebatando-lhes a terra, não era apenas um direito, mas um dever dos brancos, civilizados e superiores, de instaurarem uma ordem social mais ‘avançada’” (PESAVENTO, 1997, p. 148).

As Exposições Universais funcionavam como gigantescas enciclopédias, cuja maioria das páginas tratava de novidades e curiosidades. Com seu enorme público, deram início à era dos espetáculos de massa. Bintcliffe (2012) destaca que, além de seus temas oficiais, as Exposições Universais refletem as descobertas atuais ou sentimentos da época. Para o autor, as exposições de 1851-1938 fizeram parte da corrida para a industrialização e agiram como uma plataforma para divulgação de novas invenções e descobertas. O período de 1939-1987 viu a era do intercâmbio cultural e uma série de exposições que tentaram lidar com as questões do mundo. Houve uma forte vibração utópica em seu coração, assim como temas humanitários, tais como progresso e harmonia para a humanidade ou paz através da compreensão . Com o aumento da facilidade de comunicação, as exposições mundiais gradualmente afastaram-se da exibição de novas tecnologias. A Expo 1988 representou o início de uma nova era, que ainda está presente hoje: a marca-país (BINTCLIFFE, 2012)3 . Embora ressalte que a divulgação da marca-país tenha se tornado uma característica das exposições universais a partir da década de 1980, acreditamos que essa proposta sempre esteve presente. O espírito que moveu as primeiras edições do certame já atuava para que as nações envolvidas, especialmente o país- sede, obtivessem o reconhecimento internacional em diversas áreas, o que levaria ao fortalecimento de sua marca, uma forma de branding. Mediante as primeiras

3 Todas as traduções aqui contidas são de responsabilidade dos autores.

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exposições universais, França, Inglaterra e, mais tarde, Estados Unidos tornavam- se modelos a serem seguidos e desejados, o auge do ideário de superioridade branca europeia e dos impérios coloniais.

As exposições universais atuavam como feiras de comércio e indústria, vitrines para os mais diversos temas, grandes escolas e laboratórios com um enorme potencial didático, espaços de lazer efervescentes e, principalmente, como mídias. Essas efêmeras e poderosas plataformas comunicacionais criavam cidades paralel as, onde as maravilhas da indústria não revelavam as jornadas extenuantes a que homens, mulheres e crianças eram expostas nas fábricas. A beleza das construções monumentais tampouco mostrava o trabalho intenso de operários em obras concluídas com a exposição em andamento. Não mostravam as greves, crises e manifestações que rondavam esses megaeventos. Mas a história, com seus esquecimentos e silenciamentos, tornou memorável apenas seu caráter arrojado e inovador, trazendo à luz, tímida e apenas contemporaneamente, o lado sombrio destas celebrações. Não se trata aqui de demonizar estas produções culturais de massa, mas de analisá-las em seu contexto e verificar as características de suas atrações, pois “o fato de que se mercantilizam as grandes reuniões populares, as ocasiões festivas [...] não tira nada do prazer de estar junto de que são a causa e o efeito” (MAFFESOLI, 2010, p. 99).

3 Expo Milano 2015

A Europa foi durante muito tempo modelar quanto a garantias sociais, geração de empregos e estabilidade econômica. Mas, na década de 2000, teve início uma crise motivada principalmente pelo endividamento excessivo de alguns estados - membros da União Europeia, dentre eles, a Itália. Obrigados a medidas de austeridade, esses países viram minguar a oferta de empregos e de crédito. A chegada de imigrantes, muitos deles oriundos de ex-colônias, gerou problemas sociais de solução complexa e incerta. A sobrevivência do próprio bloco foi questionada, como sinalizou o referendo no Reino Unido que optou por sair União Europeia4 .

4 Disponível em: <https://goo.gl/hjsXL7>. Acesso em: 15 nov. 2018.

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Em 2008, Milão foi escolhida para sediar a Exposição Universal de 2015 pelo Bureau International des Expositions (BIE), com o tema Alimentar o planeta, energia para a vida (BELTRAME, 2014, p. 3). Sediar o megaevento sinalizava a possibilidade de novo vigor econômico e de reconfiguração imaginal. A Itália pretendia mostrar-se moderna, e a Exposição Universal colocaria o país na vitrine das soluções e possibilidades de inovaç ão.

Grandes eventos internacionais funcionam como gatilhos para o desenvolvimento local e trazem vantagens tangíveis para a cidade-sede e do país. Entre os seus benefícios tangíveis, mega-eventos são catalisadores para transformação econômica, ajudar a melhora a infra - estrutura urbana, fortalecer a imagem internacional da cidade e acelerar a implementação de políticas urbanas desejados (ONU, 2011, p. 3).

Uma das cidades mais influentes do mundo, Milão é reconhecida pelo design e pela moda, além de contar com um dos maiores PIB da União Europeia, atuando como centro de negócios; mas também sofre com a desindustrialização, já que grande parte das fábricas foi transferida para a China, Polônia, Sérvia, Eslovênia, Marrocos e Vietnã (LOLLO, 2013). Só em 2015, as grifes Prada e Armani transformaram duas grandes fábricas desativadas em Milão em centros de cultura que entraram em atividade paralelamente à inauguração da Expo.

A campanha e a celebração pela oportunidade de sediar o megaevento enfrentaram oposição entre alguns políticos e populares, resistindo até mesmo à sua efetivação e encerramento. À medida em que os números dos valores investidos, e também das suspeitas de desvios, iam sendo divulgados, o país se dividia. E foi entre protestos e festas que aconteceu a Expo Milano. A partir do momento em que organizações, universidades, colégios, empresas, políticos e cidadãos foram envolvidos no projeto, a resistência diminuiu. Especialmente graças às vagas de empregos ofertadas anos antes que a Expo tomasse forma, em 1º de maio de 2015, e à intensa estratégia de marketing, aos poucos o megaevento ia se convertendo em orgulho italiano. Mesmo assim, no dia de sua abertura, a cidade foi tomada por confrontos entre a polícia e o movimento NO EXPO5 .

5 Disponível em: <https://goo.gl/928k5e>. Acesso em: 15 nov. 2018.

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Durante seis meses, Milão sediou a Exposição Universal de 2015. A Expo Milano ou Expo 2015, como ficou conhecida, recebeu mais de 21 milhões de visitantes, contando com cerca de 150 participantes e 5.000 eventos. No período, viu crescer o fluxo de visitantes a cada dia, atingindo o número máximo, no dia 10 de outubro de 2015, de 272.785 visitantes. Só na semana entre 5 e 11 de outubro, foram 1.243.701 visitantes. A média de visitantes foi de 116 mil por dia6. Mas, antes, durante e depois de sua realização, a Expo permaneceu cercada de polêmicas, denúncias e longe de ser unanimidade. Antes mesmo de abrir os portões pela primeira vez, Gallione (2012) já desnudava uma sucessão de escândalos e promessas não cumpridas relacionadas ao megaevento.

O número de visitantes aponta para o sucesso do evento como experiência lúdica, cujo encerramento tornou-se um grande desafio. Afinal, como encerrar um espetáculo cuja presença do público foi crescente, produziu milhares de empregos e movimentou a cidade e o país, bem como desativar e demolir belos edifícios? Mas esta é a lógica e talvez o encanto dessas exposições. A Torre Eiffel, construída para a exposição de 1889 e considerada na época uma aberração arquitetônica, só não foi desmontada, como previa o projeto, por ter se tornado uma antena para transmissão de rádio7. Embora a maior parte das construções seja efêmera, conforme o acordo entre países, o pavilhão brasileiro, por exemplo, foi fracionado em duas partes e vendido em leilão público. O preço mínimo foi fixado em € 1.300.000,00 e ca da parte recebeu apenas um lance8. Monumentos e pavilhões italianos, pelos quais a população se apaixonou, permanecem com destino incerto9, como o Albero della Vita10. Mas ainda que a Expo Milano tenha alcançado parte dos objetivos propostos pelos organizadores, como gerar postos de trabalho e receber milhões de visitantes, mensurar os resultados obtidos pelas estratégias de branding urbano não é tarefa simples.

Mesmo não tendo efetivado a proposta que fora prometida anos antes e nem mesmo as reformas urbanas (GALLIONE, 2012), Milão deu forma a um megaevento

6 Disponível em: <https://goo.gl/2meq9i>. Acesso em: 3 set. 2018.

7 Disponível em: <https://goo.gl/Ztw1hL>. Acesso em: 15 nov. 2018.

8 Disponível em: <https://goo.gl/ytrN1N>. Acesso em: 29 set. 2018.

9 Disponível em: <https://goo.gl/1S7cKP>. Acesso em: 29 set. 2018.

10 Árvore da Vida. Monumento central e símbolo da Expo Milano 2015.

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cujas proporções se confirmaram no tempo e no espaço. Os mais de cem países participantes também se esforçaram para criar experiências inesquecíveis. O branding era a palavra de ordem. A disputa entre países pela atenção do público foi buscar nas tecnologias mais inovadoras e/ou em elementos in natura desses territórios as ferramentas de fascínio. Só o pavilhão brasileiro, por exemplo, recebeu 5,3 milhões de visitantes; 2,7 milhões se arriscando em uma rede suspensa que caracterizava a experiência Brasil, um passeio lúdico sobre espécimes brasileiros cultivados a fim de apresentar o protagonismo brasileiro na produção de alimentos. Como o tema da Expo Milano eram questões relativas à vida e à alimentação, o Brasil tinha posição de relevo e oportunidade para apresentar seus atributos, já que, segundo relatório da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) sobre as perspectivas agrícolas 2015-2014, este é “o segundo maior exportador agrícola mundial e o maior fornecedor de açúcar, suco de laranja e café”11, podendo, no futuro, superar os Estados Unidos. O pavilhão do Brasil promoveu “36 eventos em torno do tema, como seminários, cooking shows e ações de degustação, exposições e apresentações culturais”12, número considerado tímido, já que só o espaço Me and We – Women for Expo, do Pavilhão Italiano, realizou cerca de cem13. Esse palimpsesto de eventos se convertia em práticas voltadas para a promoção da cidade, através da gestão de sua imagem, pois realçava os atributos daquela cidade ou país.

Em 2015, estimava-se que a Expo produziria um impacto de 23,6 bilhões de euros na economia italiana entre 2012 e 202014; em 2016, noticiava-se que as contas da sociedade estariam no vermelho15; em 2017, além de dívidas, salientava-se que muitos pavilhões ainda estavam de pé16; porém, em 2018, a Expo 2015 S.p.A. foi liquidada, apresentando um superlucro de “dezenas de milhões de euros”17. Mas as polêmicas em torno do megaevento não terminaram.

11 Disponível em: <https://goo.gl/MgmGe7>. Acesso em: 15 dez. 2015.

12 Disponível em: <https://goo.gl/wuYhBp>. Acesso em: 15 dez. 2015.

13 Disponível em: <https://goo.gl/ZjSyXY>. Acesso em: 3 set. 2018.

14 Disponível em: <https://goo.gl/Ajz8JT>. Acesso em: 15 dez. 2015.

15 Disponível em: <https://goo.gl/sBSWC3>. Acesso em: 3 set. 2017.

16 Disponível em: <https://goo.gl/7u6aNE>. Acesso em: 3 set. 2018.

17 Disponível em: <https://goo.gl/WCt9yN>. Acesso em: 3 set. 2018.

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4 As Expos e a marca- cidade/país

As exposições universais, de certa forma, sempre representaram uma estratégia de promoção dos países. Para Ferreira (1998, p. 9), na primeira vaga das exposições, que teve seu fim antes da Primeira Guerra Mundial, exaltava-se o progresso, o potencial econômico do país que a acolhia. Isso se dissolve no período entre guerras, na segunda vaga, com a diversificação das mensagens nacionais e o apogeu da arquitetura, que deveria projetar formas de celebrar o presente e pensar o futuro. Em 1988, o BIE decide que esses eventos teriam um tema específico, com o objetivo de “diminuir os custos de organização e participação, permitindo, ao mesmo tempo, que países de menor dimensão pudessem também propor-se organizar exposições internacionais” (FERREIRA, 1998, p. 10). Quatro anos depois, o BIE aprovou a candidatura de Portugal para realizar a Exposição Mundial de Lisboa em 1998, dando início à terceira vaga. Com a proposta temática Os Oceanos, Um Patrimônio para o Futuro, a EXPO’98 Lisboa18 parece cumprir dupla função: retoma um passado glorioso em que Portugal fora potência marítima e desenvolve “a consciência dos problemas levantados pela exploração sistemática dos recursos oceânicos” (FERREIRA, 1998, p. 11).

De certa forma, algo semelhante acontece com a Expo Milano 2015. A Itália é conhecida pelos belos monumentos, pela beleza natural, pela gastronomia associada à fartura, à família. O tema da exposição Milano – Nutrir o Planeta, Energia para a Vida – também remete a esse imaginário. E vai muito além: uma oportunidade para redescobrir antigas tradições e conhecer a cultura de países distantes e dar respostas concretas a questões como desenvolvimento sustentável e segurança alimentar, ao apresentar tecnologia e inovações utilizadas para a agricultura do futuro e para a produção alimentar19. Como herança cultural da Expo 2015, foi redigida a Carta de Milano, uma síntese da ambição da cidade de Milão, da Itália e da Expo de registrar uma mensagem sobre o direito à comida, entregue ao

18 A Expo’98 Lisboa, evento comemorativo aos 500 anos da chegada do navegador Vasco da Gama à Índia, esteve aberta ao público de 22 de maio a 30 de setembro de 1998.

19 Disponível em: <https://goo.gl/8xWFES>. Acesso em: 3 set. 2018.

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Secretário Geral das Nações Unidas Ban Ki-Moon durante a Semana Mundial da Alimentação, organizada pela FAO em 201520 .

A Expo’98 Lisboa e Milano 2015 são eventos planejados para atrair atenção e reconhecimento para um lugar, despertar associações e atributos considerados benéficos para o desenvolvimento social e econômico (KAVARATZIS; ASHWORTH, 2005, p. 513). Para os autores, outras duas técnicas também são muito usadas pelo branding urbano (e essas não necessariamente associadas aos eventos): branding de personalidade, como Gaudí, em Barcelona, e projetos espetaculares , como o Museu Guggenheim, em Bilbao, que são poderosas ferramentas de regeneração urbana.

Pensar em branding urbano é entender que cidades são produtos. Posto isso, precisam criar estratégias semelhantes ao posicionamento de qualquer outro produto, empresa ou marca; ou seja, uma imagem ou identidade que diferencie uma cidade de outras concorrentes a partir da identificação de atributos que sejam únicos, autênticos. Jansson e Power (2006) destacam ser necessário atrair: 1) investimentos locais e internacionais; 2) empresas; 3) profissionais qualificados; 4) novos moradores; 5) turistas e visitantes; e 6) comercializar e divulgar, por meio de marketing, produtos e serviços locais. Eles argumentam que, para tornar viável o alcance desses objetivos, é fundamental trabalhar em conjunto o branding interna e externamente. Em uma das pontas da gestão da marca, construir uma identidade e fortalecer o orgulho dos moradores e fomentar um ambiente favorável para negócios. Na outra ponta, o branding, por meio de estratégias de comunicação, objetiva atrair investimentos, mão-de-obra qualificada, visitantes e turistas, ao mesmo tempo em que contribui para divulgar produtos e serviços. No entanto, planejar o conceito de branding urbano não é tão simples. Como projetar a identidade local em um mercado global de fluxos de imagens sempre em expansão (GOVERS; GO, 2009), sendo que o conceito de identidade mostra-se heterogêneo e fragmentado?

Na tensão entre uma economia global, em busca de novos negócios com identidades mais flexíveis e em constante processo de formação, e o local, onde se deseja fomentar um discurso de identidade, fundamental para o branding, estão os grandes e os megaeventos, percebidos como um trampolim para gerar imagens sobre

20 Disponível em: <https://goo.gl/ytvKH2>. Acesso em: 3 set. 2018.

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a marca-cidade e/ou marca-país. Ao longo do tempo, esses certames espelham o contexto político, social e econômico de suas épocas. De acordo com Indovina (1999, p. 136), as primeiras exposições universais representavam uma economia com base na produção, enquanto megaeventos contemporâneos, como os Jogos Olímpicos, exemplificam uma economia de serviços, com foco no lazer, turismo e fluxos de capitais. Ou seja, os eventos como plataforma de negócios e de comunicação também foram se ajustando à mudança do cenário global e à transformação do imperativo econômico mundial. Agora, esses eventos não são simples oportunidades de vender produtos, mas sim de “vender experiência” (PINE & GILMORE, 1998, p. 1) tanto no espaço interno onde são realizados quanto na cidade/país que os recebe.

Poderosas ferramentas de marketing e de comunicação, esses acontecimentos contribuem para o fortalecimento do lugar. Ao representar certos atributos, uma Exposição Universal, por exemplo, pode promover senso de pertencimento, uma mudança de percepção em relação à cidade (atraindo turistas e negócios ou manifestações contrárias à sua realização), um poderoso discurso de branding urbano. No entanto, uma marca de lugar forte precisa ser construída com elementos físicos (uma logo, um slogan), capaz de modificar ou potencializar o simbolismo, além de comportamento e comunicação, já que as ações falam mais que o discurso em si (GOVERS; GO, 2009). Os autores advertem ainda que se a oferta do produto e as estratégias de comunicação não refletirem a verdadeira identidade do lugar, pode criar uma lacuna na estratégia de branding (GOVERS; GO, 2009, p. 71). Têm-se os desafios constantes: definir a identidade de um lugar, considerando a sua pluralidade, equilibrar os diferentes interesses dos atores sociais (governo, cidadão, investidores, turistas) e ainda planejar uma comunicação que contribua com a experiência do local. Inerente a qualquer tipo de evento, o discurso sobre a experiência pode ser percebido como o ápice de um consumo hedonista. Para Campbell (2001), o ato de consumir não está ligado à satisfação de uma necessidade, mas sim ao valor imaginativo a que a imagem do produto se empresta. É um ato de abstração, de devaneio, uma busca de vivenciar o momento presente. O aqui e o agora de um grande evento é uma experiência de consumo efêmero, imediatista que tem a cidade como plataforma. Ao mesmo tempo realiza-se nela e somente existe por causa dela.

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Logo, essa simbiose entre um evento e a cidade/país demanda estratégias de comunicação e de marketing que viabilizem experiências únicas. Nesse ponto, no entanto, observa-se que, embora evento e cidade possam caminhar lado a lado na construção de um imaginário para o lugar, o evento é um acontecimento efêmero, com um prazo pré-definido, um “e-vento, evanescente no conteúdo” (INDOVINA, 1999, p. 128). Para o visitante, são algumas horas circulando por pavilhões de vários países, vivenciando um pouco da experiência de um local conhecido, ou exótico, a partir da arquitetura também efêmera do pavilhão.

Muitas vezes questionado, o certame surge como uma oportunidade para a cidade/país produzir, divulgar ou fortalecer um conteúdo próprio e gerar uma experiência memorável para o visitante. O grande evento passa, a cidade e o país continuam, independente do sucesso ou fracasso da empreitada. De certa forma, a cidade se apoia no evento para dar mais visibilidade a sua história, aos seus pontos turísticos, à possibilidade de receber novos investimentos, de se mostrar atraente. Govers e Go (2009, p. 4-5) argumentam que a imagem projetada de um lugar, tanto no passado como hoje em dia, parece enfocar os atributos que criam uma expectativa no turista: clima perfeito, uma população multicultural e gentil, uma viagem a custo acessível, lugares acessíveis e exóticos, aventura, uma boa infraestrutura de turismo. Isso pode ser relevante quando um lugar compete por turismo, negócios, mão-de - obra qualificada e investimentos. Os grandes eventos mostram-se essenciais para atingir esses objetivos.

E como as cidades se pensam pós-evento, ou entre eventos? De acordo com Borja e Castells (1997, p. 2), as cidades precisam renovar seus papéis. Em uma economia globalizada, a competição do território depende, sobretudo, de um sistema urbano, sistemas de comunicação globais, mão-de-obra qualificada, instituições políticas transparentes, grandes projetos urbanísticos e campanhas de cooperação pública e privada para divulgar a imagem da cidade, requalificação urbana, segurança pública (BORJA; CASTELLS, 1997, p. 90-120). Poder-se-ia entender que isso significa um processo de reposicionamento da marca-cidade; isto é, uma gestão de branding urbano que, para autores como Kavaratzis (2005) e Governs e Go (2009), precisa ouvir os interesses dos diferentes atores sociais e equilibrar os espaços comerciais, voltados para os negócios e investimentos, e o público.

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Como “multinacionais do século XXI” (BORJA, CASTELLS, 1997, p. 123), as grandes cidades vêm adotando estratégias de branding semelhantes às corporações. Por isso, não é de se admirar que organizações e institutos avaliem o desempenho de cidades e países tanto em relação ao desempenho do mercado turístico internacional quanto de reputação. Exemplificando com a Expo Milano 2015, o evento fortalece a percepção de Milão como uma importante cidade para negócios, oferece uma possibilidade de amenizar a crise econômica italiana e promove mais visibilidade aos atributos da marca-cidade e país. Segundo dados do relatório da Organização Mundial do Turismo (OMT)21 de 2015, a Itália ocupava a 5ª posição em um ranking dos dez principais destinos de turismo internacional; era o 6º em receitas; e o 3º país mais visitado da Europa, com um crescimento de 2% em relação a 2013. Interessante comparar os dados da OMT e os do Country RepTrak Report22 (REPUTATION INSTITUTE, 2015; 2018), em pesquisa online sobre a reputação de 55 países: a Itália está entre os 20 países com melhor reputação global, ocupando a 14ª posição (subindo duas posições de 2013 para 2014).

Ativo intangível capaz de criar valor para uma corporação, a reputação passa a ser um diferencial competitivo para as marcas-país e cidade. Para Argenti (2011, p. 101), reputação é diferente de imagem por ser construída ao longo do tempo, não sendo simplesmente uma percepção em um determinado período. Também se diferencia de identidade, já que contempla tanto a percepção interna quanto externa de uma organização. Por sua vez, Iasbeck (2007, p. 91) refere-se à reputação como imp ressão.

A imagem mental é formada, em grande parte, com contribuições do imaginário do público, que se agregam aos estímulos recebidos de forma nem sempre previsível e administrável. Assim, quando nos referimos à “imagem”, falamos do produto dinâmico da elaboração mental (imaginação) de quem mantém com o objeto de sua percepção e experiência uma relação comunicativa. Nessa relação, o objeto da percepção se mescla com os dados do imaginário do percebedor e o resultado poder ser a impressão causada nessa mente interpretante. Poderíamos simplesmente denominá-la impressão.

21 Disponível em: <https://goo.gl/8UKHRs>. Acesso em: 3 set. 2016.

22 Criado em 1997, o Reputation Institute é uma consultoria internacional que pesquisa a reputação de empresas, países e cidades.

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Correlacionando com a reputação de lugares, ela seria fruto da relação entre a percepção do objeto (a imagem) com as informações que o indivíduo tem em seu imaginário sobre o país ou cidade. Embora Srour (2013, p. 185) defina de forma bem semelhante o termo reputação – “intimamente associada à confiança coletiva, ou melhor, à legitimidade que se conquista pelas políticas praticadas ou pelas ações cometidas” –, ele acrescenta que a boa ou má fama da organização é resultado da avaliação de suas características percebidas, baseada nas ações passadas e presentes, que criam expectativas para as ações futuras. No caso de cidades e países, a história do lugar e o patrimônio cultural, por exemplo, bem como as expectativas futuras, fazem parte de um discurso que branding precisa incorporar e que, de uma forma ou de outra, está atrelado à reputação do lugar.

De acordo com o Reputation Institute, a reputação tem um forte impacto no comportamento dos públicos, podendo melhorar a economia de um país/cidade com aumento do turismo, do investimento estrangeiro, exportação etc. Segundo o City RepTrak Report23 (REPUTATION INSTITUTE, 2015), dentre as 34 cidades (em um total de 100) com mais forte reputação estão Veneza (10º), Roma (14º), Florença (19º) e Milão (32º). Em 2017, Milão surge como a 9ª cidade com melhor reputação internacional, subindo 23 posições em relação ao relatório de 2015.

Em 2015, Veneza, Roma e Florença se destacavam em três dos 13 atributos avaliados: beleza, bons lugares para viver e vínculo emocional. Ou seja, se a reputação da cidade é muito influenciada pela reputação do país (CITY REPTRAK REPORT, 2015, p. 39), parece que as marcas Itália e essas três cidades italianas estão alinhadas em termos de percepção global.

Não se pode afirmar que a escolha de Milão como sede da Expo tenha sofrido influência de avaliações externas da marca-cidade. No entanto, a partir do momento em que o discurso, outrora restrito às organizações, contaminou a gestão das cidades/países; isso implicou em uma pressão para que países e cidades se reinventem. Principalmente, no caso de cidades, que elas pensem outras formas de (re)ativação do consumo. Para isso, novos espaços, efêmeros como os grandes

23 Pesquisa mundial realizada com cerca de 22.000 consumidores de países do G8 sobre a reputação de 100 cidades de todos os continentes.

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eventos, ou duradouros, como o Armani Silos em Milão, são combustíveis para o branding (re)criar histórias sobre o lugar e contribuem para o imaginário urbano.

5 Considerações finais

Embora o conceito de branding urbano tenha cerca de 30 anos, a história das exposições universais mostra uma preocupação já antiga com a ideia de vender a cidade. E ainda que as teorias do branding urbano abordem a necessidade de um projeto múltiplo, no qual estejam inclusos também os cidadãos, é muito comum que o foco seja o desenvolvimento do turismo e a geração de divisas, cabendo ao local para o qual o projeto se desenvolve e seus moradores um legado muitas vezes contraditório, principalmente em relação aos sujeitos e subjetividades que não cabem nesse projeto econômico- político.

Lidar com os atributos dos lugares, sejam eles já existentes ou novos, é lidar também com o imaginário desse lugar e, muitas vezes, com seus estereótipos. Para o branding urbano, é importante buscar essa facilidade de compreensão das identidades proporcionada pelo uso dos estereótipos. É preciso avaliar, no entanto, o quanto eles impedem a flexibilidade do pensamento, especialmente no que diz respeito às alteridades, além do fato de atuarem (ou não) na manutenção e reprodução das relações de poder. Assim, representar uma cidade em uma exposição sob determinado tema, visando construir uma marca suficientemente atrativa para ser desejada, comprada e consumida, é um trabalho que muitas vezes acaba por excluir determinadas formas de ser em prol de um ideário de cidade pensada para consumo, em virtude de uma suposta necessidade de simplificação para que seja possível compreender essa marca.

A história das exposições trazida neste trabalho, assim como seu exemplo mais recente, é uma pequena amostra dos conflitos que compõem este grande meio de comunicação. Os megaeventos cumprem um papel na configuração da sociedade, já que não apenas forças sociais positivas a compõem, mas, sim, relações de harmonia e desarmonia, associação e competição, unidade e discordância, dentre outras que se manifestam como positivas enquanto categorias de interação.

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É importante se considerar também o ideal de cidade que esses megaeventos constroem. Ao vender uma cidade perfeita, a exposição desconsidera exatamente esses conflitos que a constroem, contribuindo para o silenciamento das alteridades, criando cidades paralelas, construindo novos (ou reforçando velhos) imaginários e estereótipos. A Expo Milano configura-se como meio de comunicação massivo, de ampla repercussão, um sucesso sob o ponto de vista mercadológico, seja pelo número de visitantes, seja pelo número de países participantes, seja pela atração de investidores e capital internacional ou até pelo impacto positivo na geração de emprego e renda para os milaneses. A venda da experiência foi seu foco e objetivo, conquistados por meio de poderosas ferramentas de comunicação. Ou seja, se pensarmos apenas sob o ponto de vista mercadológico, os megaeventos são uma excelente estratégia para o branding urbano, pois contribuem amplamente para a construção da marca- cidade.

No entanto, o branding urbano deve ser pensado de forma crítica no que diz respeito à representatividade, à falta de visibilidade de grande parte da população que sofre com suas consequências negativas (aumento do custo de vida, gentrificação, especulação imobiliária, exploração de mão de obra, legado contraditório), à construção de um ideal de cidade internacional, em um projeto que limita seu consumo para poucos.

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